«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Estados de Direito, Direito ao Estado, na UE

Seremos nós mais evoluídos que os EUA no que toca a direitos individuais?

Será a UE uma mais-valia na defesa da separação absoluta de poder Judicial e poder Executivo?

Viveremos em estados e democracias de Direito?

As respostas estão nesta excelente entrevista ao sociólogo Jean-Claude Paye.

sábado, janeiro 28, 2006

O Mundo Maravilhoso das Pessoas mais Inteligentes do que Nós

"Não posso dizer que Mozart seja o meu compositor preferido, nem sequer consigo ter um compositor preferido, mas Mozart nunca seria um candidato. Depois de perceber as maravilhas de Monteverdi ou de Schütz, depois de ter passado anos a ouvir a obra de Bach, depois de redescobrir um Handel destruído durante décadas por interpretações manhosas ao qual o Mozart não seria alheio, o Mozart que eu ouvia deliciado aos 10 anos, talvez nessa altura talvez tenha sido o meu compositor preferido, foi-se diluindo no seu génio fácil e perfeito num tempo próprio. Quando hoje olho para uma partitura de Wagner, um Tristan ou uma Walküre ou um Götterdämerung apercebo-me do génio relativo de Mozart, mas um génio maior apesar de tudo." HS, in www.criticomusical.blogspot.com
Parafraseando Joel Costa, que pena tenho eu de não pertencer ao Mundo Maravilhoso das Pessoas mais Inteligentes do que Nós.
É verdade. Sou um pobre coitado que gosta de Mozart. Eu ouço Mozart! Quase todos os dias, imagine-se! Tenho pena de não ser como o Crítico Musical, que ultrapassou essa fase quando tinha 11 anos. Eu vou já com 16 anos de atraso e não vejo forma de sair deste pântano de ignorância que consiste em reconhecer Mozart como um génio absoluto, tão sublime e simplificadamente incompreensível para a mente humana como Bach, Haydn e Beethoven.
Sou um pobre de espírito que ainda não descobriu as maravilhosas obras de Schütz. Confesso.. admito... não tenho paciência sequer para ouvir mais que 5 minutos de Schütz. A sua elevada técnica de composição e os seus elevadíssimos padrões de abstracção artística apenas se permitem ser apreciados pelas pessoas que pertencem ao Mundo Maravilhoso das Pessoas mais Inteligentes do que Nós.
E Wagner. Eu que tenho o desplante de achar que Mozart possui um leque de criatividade musical muito mais vasto que Wagner! Mozart é tão fácil de ouvir e Wagner tão complicado, tão cheio de técnicas inovadoras! Como poderei eu ultrapassar esta fase de ingnorância atroz?
E Haendel? Como não consegui ainda vislumbrar a alma secreta daqueles festivais musicais sem sumo, daquele barroco artificial sem ideias? Não tenho esta capacidade nata de ler por entre as linhas do ornamento sobre sempre o mesmo de Haendel!
Ah! Mozart? Qual Mozart! Isso é para o povo! Ele nem sabia interpretar Haendel no Séx.XVIII! Agora aprendi! Génio é o Schütz! Ah e o Monteverdi, o Monteverdi! Isso sim, é música para intelectuais! Muitíssimo superior ao Mozart. Mozart "não seria sequer candidato" a figurar no restrito grupo onde Schütz e Haendel ostentam a sua música!
Objectivo 1 para 2006: deixar de ouvir também o Verdi... (só se for às escondidas...).
Objectivo 2 para 2006: deitar fora aquele disco das obras para piano de Schöenberg pelo Pollini. O piano não era de 1920 (interpretação historicamente mal-informada).
Objectivo 3 para 2006: esquecer o Gould, o Lipati e o Klemperer (historicamente mal-informados).

Delito de opinião política

Foi recentemente aprovado pelo Conselho Europeu um texto que abre portas à proibição dos Partidos Comunistas no espaço da UE, bem como à condenação judicial efectiva dos seus dirigentes, baseada somente em delito de opinião.
Isto é um ultraje à convicção de todos os democratas europeus. Deveria ser motivo de revolta da parte de Comunistas, Socialistas, Social-Democratas, Democratas-Cristãos, enfim, de todos os que se aproveitam da palavra democracia para apelar ao voto dos eleitores.
Sabendo eu da gente que chegou ao poder das instituições europeias e dos países europeus nos últimos tempos, não me choca que se tente lançar a confusão entre ideologia política e regime adoptado, ou entre constituição de estado e forma de governo. Estas duas falácias são empregues com frequência pelo estado maior europeu e americano para induzir a condenção geral do comunismo. Ora, tanto uma como outra são reveladoras da mais pura ignorância de quem as profere, ou então da sua total desonestidade intelectual.
Daquela gente já esperávamos tudo isto. Não esperávamos era que não compreendessem que dizer que o comunismo matou 65 milhões de pessoas na China é a mesma coisa que dizer que a Social-Democracia mata 120 000 pessoas/ano em Portugal (é a taxa geral de mortes/ano no nosso país). Não esperávamos ainda que tivessem a distinta lata de dizer que o comunismo matou 150.000 pessoas na América do Sul, quando sabemos que quem as matou não foram os doze chefes de estado comunistas democraticamente eleitos e depois assassinados pelos EUA e GB (Chile, Guatemala, Salvador, Honduras, etc), mas antes organizações militares ditatoriais patrocinadas e comandadas pela imaculada e suposta Social-Democracia parlamentar europeia e americana (Contras, Pinochet, brigadas da morte, etc, etc, etc).
E na ordem de ideias dos Srs. tecnocratas anti-comunistas, não será culpa da Social-Democracia a condenação à morte por fome de milhões de pessoas em países africanos, cujas produções agrícolas têm sido completa e conscientemente anuladas no mercado pela política agressiva e cega da PAC europeia e do proteccionismo americano? Afinal, de quem é a culpa? É da Social-Democracia, ou dos seus incompetentes e descarados líderes?
É necessário pensar antes de dizer disparates. A Democracia tem tanta culpa nas centenas de milhares de pessoas assassinadas no Iraque deste 1991 como o Comunismo tem nos assassinatos praticados em regimes totalitários.
O que mais me choca, porém, é a prossecução da lavagem cerebral generalizada e agora tão claramente assumida neste parágrafo do texto:
"c. to launch a national awareness campaign about crimes committed in the name of communist ideology including the revision of school books and the introduction of a memorial day for victims of communism and the establishment of museums.
d. to encourage local authorities to erect memorials as a tribute to the victims of the totalitarian communist regimes."
Inqualificável.
Um outro trecho espantoso, diz-nos algo curioso:
"5. The absence of international condemnation may be partly explained by the existence of countries whose rules are still based on communist ideology. The wish to maintain good relations with some of them may prevent certain politicians from dealing with this difficult subject."
Ora,
1 - se sabemos que ninguém se preocuparia muito com as susceptibilidades de Cuba, Coreia do Norte ou China, teremos de excluir estes dos "countries whose rules are still based on communist ideology".
2 - teremos também que excluir aqueles países que põem em prática constituições completamente liberais e deprovidas de preocupação social.
3 - teremos de chegar à conclusão que os referidos "countries" são, sem mais nem menos, aqueles em que o bem-estar social, a protecção dos direitos e do trabalho da pessoa humana e a perspectiva socialista de um mundo melhor estão consagrados na constituição. Ou seja, Portugal, Suécia, França, Finlândia, entre outros perigosíssimos exemplos de países com probabilidade real de golpes de estado totalitários comunistas!
Mas se nos alertam para esta terrível situação -
"Communist parties are legal and active in some countries, even if in some cases they have not distanced themselves from the crimes committed by totalitarian communist regimes in the past. "
... é melhor termos cuidado com esta gente.
Até há, imagine-se, partidos comunistas "still legalized" no mundo!
Esqueceu-se essa gente dos milhões de comunistas mortos na II Guerra Mundial para derrubar o fascismo, o nazismo e tomar Berlim. Esqueceu-se essa gente que as resitências clandestinas ao Nazismo e ao Fascismo foram todas assumidas pelos Partidos Comunistas, únicas estruturas que tiveram capacidade de sofrimento e abnegação suficientes para continuar intactas na ilegalidade. Em França, o Partido Comunista, que deu corpo à resistência nos anos 40, foi denominado "o partido dos fuzilados". Em Portugal, a quase totalidade das figuras maiores do PCP esteve presa. Presos, fuzilados e torturados, porque foram os únicos com coragem para lutar contra o fascismo, contra a ditadura, contra o totalitarismo e a favor da liberdade.
Todos os excertos em inglês foram retirados do texto aprovado pelo conselho europeu a 25 de Janeiro de 2006.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Folhetim de Torga II

...continuando...
"A velha e livre cidade do Porto, onde há pouco tempo ainda só se podia entrar a tremer sobre pontes, com licença paga, por um túnel, ou revistado de cima a baixo - maneiras, como se vê, difíceis e reticentes - , e cujos forais não permitiam a fidalgo, nem poderoso, nem abade bento, o poisar nela mais que três dias, é muito velha no meu sangue e na minha consciência. Quanto em mim é instinto e compreensão, sabe de há muito que os valores autênticos da vida têm de ser sólidos como a Praça da Liberdade e altos como a Torre dos Clérigos.
Em suor, que foi como os meus avós almocreves mo revelaram, numa caminhada semanal que metia caldo de abóbora em Valongo e lobos no resto do caminho, ou em semente do nome deste nosso Portugal, que assim mo explicou o senhor Botelho numa escola onde se aprendiam coisas que tinham sentido, o meu primeiro Porto é nebuloso e distante.
- Trinta léguas de rota batida, filho, para ter a montanha farta de bacalhau, arroz e sabão... - ouvia eu, com seis anos.
- Ora, como na margem direita do Doiro havia uma povoação chamada Portucale... - ia explicando o meu mestre.
A grande pedra de ara da minha meninice, o Marão, dividia o mundo em dois. E na metade que se não via ficava esse Porto só adivinhado, mas donde vinha já, positivo e genuíno, o que ele tinha de seu: a sólida alimentação do corpo, conquistada a mortificação, e o fermento para levedar um pão mais alto.
Com os anos, essa primeira descoberta que dele fiz no cansaço dos meus maiores e nas lições do meu professor, alargou-se. E um Porto já de carne e osso, complexo como todas as realidades, entrou-me na candura dos dez anos. Em Cedofeita, a continuar a cavadela deixada em meio pelos que me deram à vida, e na Sé, a olhar pasmado aquelas pedras lavradas, o negativo e o positivo harmonizaram-se na mesma visão reveladora. O Porto real e maravilhoso era uma soma de trabalho e sonho. Trabalho duro, contínuo, com lágrimas amargas a refrescá-lo, e dias santos de libertação, com licença de fuga para as alamedas do intemporal."
continuará...

Miguel Torga - "Portugal"

Pluralidade democrática em órgãos de soberania

Como já tinha referido num post anterior, a Junta Metropolitana de Lisboa debate-se com um problema gravíssimo: a democracia. PS e PSD gostam de democracia, desde que quem ganhe não seja o PCP. E foi o PCP que ganhou.
Quem viu a animosidade extrema com que Carrilho tratou Carmona no debate da SICN para a eleição de Lisboa, ficará concerteza surpreso de o PS estar agora a apoiar... Carmona para a presidência da JML. Engolem um sapo, mas tudo vale para que "o PCP não consiga a presidência" (sic.), como lhe é democraticamente legítimo, aliás. PS e PSD juntos conseguem assim a proeza de ter 9 câmaras contra as 8 da CDU.
Mas Carmona desistiu. E porquê? Porque não quer ser o actor principal de uma JML moribunda, com morte anunciada a breve prazo. Morte anunciada a breve prazo? Mas eu nunca tinha ouvido falar de tal coisa!
Pois é. Como
a JML presidida por um partido de causas (PCP/PEV) iria exigir transparência total no que toca a projectos como OTA, nova travessia do Tejo, expropriações nas zonas referentes a estas obras, negócios comerciais envolventes (tais como concessões de obra, de exploração de auto-estradas ou licenças de abertura de novos centros comerciais), projectos turísticos grandiosos em paisagens protegidas ou regulamentação da taxa de construção civil; como a JML presidida pelo PCP iria ter em conta as opiniões dos autarcas e dos cidadãos, e não só a dos intervenientes económicos, aquando da tomada de posições;
acaba-se com a JML, reformulando-a em sede de assembleia da república.
É a nova solução de PS/PSD para contornar o problema da eleição democrática dentro da JML: acaba-se com o órgão.
Pois é.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Folhetim de Torga I

"Eu gosto do Porto. Não do Porto erudito do Sampaio Bruno, ou do burguês e literário do Ramalho. Gosto de um Porto cá muito meu, de que vou dizer já, e amo-o de um amor platónico, avivado de ano a ano à passagem para a minha terra natal, quando o menino Jesus me acena lá das urgueiras.

Entro então nele a tiritar de frio, atravesso-o molhado de nevoeiro, arranjo quarto, e deito-me no aconchedo dessa velha e casta paixão que no une. No dia seguinte, pela manhã, levanto-me, compro um jornal, embarco, e a minha visita anual e discreta acabou.

De vez em quando perco a cabeça, estrago os horários, e voua o Museu Soares dos Reis ver o Pousão, passo pela igreja de S. Francisco, ou meto-me num eléctrico e dou a volta ao mundo, a descer à Foz pela Marginal e a subir pela Boavista. Mas é raro. O regular, o que está sempre no programa, é a coisa seca e peca que ficou dita.

No comboio, dois ou três remoques da razão crítica lembram-me pelo caminho acima que talvez devesse exteriorizar doutra maneira o calor da minha amizade. Honestamente reconheço a pertinência da observação. Mas como sei exactamente a que funduras correspondem cá por dentro essas quase invisíveis marcas de afecto, prossigo viagem, sereno, a pensar que se houvesse para lá da morte alguma janela donde se pudesse olhar a vida, uma das coisas de que eu gostava era de espreitar por ela um dia a ver se o futuro conservava intactas as virtudes essenciais que me fazem querer a esta terra do âmago do coração".

continuará...

"Portugal", Miguel Torga

O Porto

Já o fiz aqui noutros tempos. Volto agora a realçar o maravilhoso blog www.cidadesurpreendente.blogspot.com. Aproveito para deixar um destaque específico nesse blog: este trecho.


Da outra vez afirmei-o, e de novo o repito: ninguém nasce no Porto impunemente. É como se uma responsabilidade sentimental nos fosse imposta logo à partida. Um selo. Um carimbo de poesia, nostalgia, paixão discreta, orgulho e modéstia.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Junta Metropolitana de Lisboa

Devido à feira mediática em torno de Cavaco na campanha para as eleições presidenciais, está-se a braquear um problema que necessita de ser resolvido seguindo os padrões da mais elementar justiça.
A presidência da Junta Metropolitana de Lisboa sempre foi eleita através de uma votação simples de 1 Câmara 1 voto. Uma outra hipótese bastante viável, seria a das presidências rotativas por concelho. Ora, a CDU sempre teve bastantes autarquias na Área Metropolitana de Lisboa, nunca tendo sido até há pouco tempo, no entanto, maioritário, pelo que teria toda a vantagem em que as presidências rotativas estivessem em vigor. Os seus responsáveis nunca insistiram, porém, nesta questão, pensando antes que uma votação simples seria mais justo e democrático. A força política que ganhasse mais Câmaras na AML seria aquela a escolher um presidente para a JML. E foi assim que sempre se passou. Com presidentes de PS e PSD.
Até agora, pelo menos. Como é sabido, nas últimas eleições autárquicas a CDU passou a primeira força política na AML. É a força que ganhou mais municípios, dos 18 que constituem a AML, ou seja, iria naturalmente eleger um presidente por direito próprio.
Parece que não. O PS propôs ao PSD a mudança súbita de critério, por forma a que Carmona Rodrigues, apoiado na suposta legitimidade de ser o presidente da maior câmara, possa ascender a presidente da JML. O PS é que propôs Carmona Rodrigues? Sim. E porquê? Porque "não querem dar voz ao PCP". Acrescento eu, não querem "dar voz" à força maioritária. É uma chatice a democracia...
Vale a pena ver com que decisões coincide o espaço de tempo desta presidência da JML: decisão e estruturação do processo da OTA, discussão de quadro de financiamentos a municípios, discussão de orçamentos para grupos de municípios, discussão de fortalecimento de responsabilidades para Juntas Autárquicas, discussão de avanço em direcção a regionalização.
Parece que em todos estes casos Carmona Rodrigues serve melhor os interesses do PS que os da maioria dos autarcas apoiados na legitimidade do voto popular.

terça-feira, janeiro 17, 2006

É batota!

Estes gráficos da Marktest mostram um enscândalo. Como se compreende que Louçã esteja em segundo lugar no número de notícias? Quem é Manuel Alegre? Que brilhantes ideias trouxe ele ao debate até agora que justifiquem o segundo lugar em tempo de antena nos telejornais? Porque é que o único candidato que fala nos verdadeiros poderes constitucionais do presidente está em último lugar em número de notícias e tempo de antena? Porque não se ouve falar nestes gráficos em mais nenhum meio de comunicação? Porque não são discutidos? Porque é que AACS não emite uma recomendação?

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Contra o Maccarthismo europeu.

É urgente ler e assinar esta petição internacional. Trata-se de protestar contra um texto que prevê a ilegalização europeia de Partidos Comunistas, de Sindicatos e de livre expressão política e histórica.

Comício do Pavilhão Atlântico

sexta-feira, janeiro 13, 2006

É falso!

Fica aqui o resumo de um excelente texto publicado na íntegra aqui.
O ministro das Finanças afirmou no Programa Prós e Contras, que se transformou num programa de pensamento único devido ao monolitismo com que são escolhidos os participantes, que daqui a 10 anos, portanto em 2015, poderia já não haver dinheiro para pagar as pensões. Esta afirmação, para além de ser irresponsável e alarmista, não corresponde à verdade. Ela só poderá ter como objectivo a preparação da opinião pública para medidas que o governo tenciona tomar agora contra os trabalhadores do sector privado e promove, objectivamente, os fundos de pensões privados porque gera medo e falta de confiança na Segurança Social pública.
A Segurança Social está a suportar as consequências da estagnação económica prolongada devido à política do governo centrada na redução do défice, e não no crescimento económico e no aumento do emprego. Devido ao elevado número de desempregados – 550.000 – prevê-se que a Segurança Social, em 2006, tenha despesas superiores a 1.800 milhões com subsídios de desemprego e perca receitas de contribuições avaliadas em mais de 2.200 milhões de euros. Apesar de tudo isto, em 2006, de acordo com o Orçamento que foi aprovado pela Assembleia da República, a Segurança Social não terá qualquer défice. Se a política do governo mudar, e a economia e o emprego aumentarem situação melhorará significativamente.
Para além disso, a Segurança Social tem um fundo de reserva, chamada Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que tem mais de 5.000 milhões de euros (1.000 milhões de contos), para fazer face a qualquer dificuldade. Esta reserva, por um lado, garante que curto prazo a Segurança Social não terá problemas e, por outro lado, dá tempo suficiente para que possam ser tomadas medidas que assegurem a sustentabilidade financeira da Segurança Social a médio e longo prazo.
Um dos argumentos utilizados pelo ministro das Finanças é o envelhecimento da população, que está a determinar que o número de activos por reformado diminua. No entanto, o ministro esqueceu-se, por ignorância ou intencionalmente, que um trabalhador neste momento produz muito mais riqueza que no passado. Por ex., entre 1975 e 2004, o número de activos por pensionista baixou de 3,78 para 1,63, portanto diminuiu 2,3 vezes, mas a riqueza criada por trabalhador aumentou 41 vezes.
Por outro lado, se o governo afectasse mais meios ao combate à evasão e à fraude, as receitas da Segurança Social aumentariam muito. Basta dizer o seguinte: em 2005, a recuperação das dividas atingiu 200 milhões de euros segundo o governo. Apesar disto as dívidas à Segurança Social aumentaram, nesse mesmo ano, em 500 milhões de euros, portanto mais do dobro, e o valor recuperado representa apenas um décimo da receita que a Segurança Social perdeu nesse mesmo ano devido à evasão à fraude, a isenções e a taxas reduzidas.
É necessário também alterar o sistema de cálculo das contribuições para a Segurança Social. Estas são calculadas com base nas remunerações que representam apenas 40% da riqueza criada pelas empresas. Se as contribuições das empresas passassem a ser calculadas com base na totalidade da riqueza criada pelas empresas, alargar-se-ia a base de cálculo, podia-se reduzir a taxa de contribuição das empresas para cerca de metade, acabar-se-ia com a concorrência desleal entre as empresas, e garantir-se-ia a médio e a longo prazo a sustentabilidade financeira da Segurança Social.
De acordo com a União Europeia (Eurostat), as despesas com pensões em Portugal (11,9% do PIB) são inferiores à média da U.E. (12,6% do PIB). Para além disso, o valor das pensões em Portugal é muito baixo. Em 2006, cerca de 1.100.000 reformados vão receber pensões inferiores a 300 euros, que é o limiar da pobreza; a pensão média do Regime Geral também em 2006, que abrange mais de 2.100.000 reformados é a seguinte: velhice apenas 480 euros; invalidez 320 euros e a de sobrevivência 180 euros. E é para a redução destas prestações, já tão baixas, que o ministro das Finanças deste governo pretendeu preparar a opinião pública.

Portugal em acção

A DECO revelou que o governo vai acabar com o limite ao valor da inflação dos aumentos das tarifas eléctricas para o mercado doméstico. Tal vai levar a um aumento em 17% das contas domésticas. Referem também que apenas os consumidores domésticos irão suportar os custos da política de fomento das energias renováveis, ficando as empresas isentas desse custo, uma exclusão certamente condicionada por pressões dos grandes interesses económicos. E eles agradecem : "A Associação Empresarial de Portugal (AEP), a Associação Industrial Portuguesa (AIP) e a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) registam a sensibilidade demonstrada pelo Governo ao atender às suas preocupações relativamente ao aumento dos preços da energia eléctrica para os consumidores industriais."
Mais Livre
Ou seja:
1 - numa medida de protecção ambiental, a UE fixou que a energia produzida de geradores eólicos tem de ser necessariamente comprada pela EDP a preços superiores ao mercado e previamente estipulados. Os grandes grupos económicos apostaram forte neste negócio da China, onde apenas eles podem ter condições de investimento inicial, mas onde os ganhos fazem parecer os geradores eólicos verdadeiras máquinas de imprimir dinheiro.
2 - este sistema de proteccionismo de energia limpa tem custos elevados, já que a diferença de preço da energia que a EDP tem de pagar é compensado por um fundo estatal para o efeito.
3 - as empresas viram-se agora livres de contribuir para esse fundo, ficando esse encargo apenas à responsabilidade dos consumidores.
Conclusão: para os consumidores os preços de energia estão liberalizados, o que quer dizer que vão ser aumentados, e serão acrescidos do encargo do pagamento do fundo para a energia limpa, de que as empresas ficaram livres. Por outro lado, se o mercado para os consumidores está completamente liberalizado, já o mercado para as empresas produtoras de enrgia eólica é regido por normas de preço fixo, sempre superior à restante energia elétrica, que lhes garantem enormes lucros a curto, médio e longo prazo. As mesmas empresas que agora ficaram livres de contribuir para esta discrepância. Realmente o liberalismo é porreiro...
E quem é o administrador executivo da EDP? Quem é, quem é? Foi o povo que o votou?
Não.
É António Mexia, do governo PPD/PP anterior, defendendo os interesses de gente tão preocupada com o bem-estar nacional como BES, BCP, Stanley Ho e grupo Mello (sempre há Mello, onde há PPD).
E vamos lá conhecer a família desta gente do anterior governo (e que revela também bastante deste...).
Mas há mais. Existe uma ténue hipótese de Sampaio não promulgar o documento com as mencionadas medidas. Mas agora pensemos no futuro... se fosse Cavaco, promulgaria? A resposta está na sua comissão de honra de campanha que inclui, imagine-se, dirigentes da CIP, da CEP, da AEP e da AIP. Precisamente os senhores que em cima agradeceram a Sócrates a passagem de encargos ambientais para a exclusividade dos consumidores.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Email que enviei a Manuela Magno

Ex.ma
Dra. Manuela Magno:

Sou apoiante da candidatura de Jerónimo de Sousa e militante do Partido Comunista Português. Queria no entanto manifestar a minha preocupação por ter constatado a recusa da sua candidatura independente por parte do Tribunal Constitucional, nas circunstâncias em que ocorreu. Não deixa de ser inquietante pensar que a nossa democracia está refém de máquinas partidárias (ainda que eu não atribua qualquer sentido negativo aos partidos, julgo antes que percorrem uma missão bem nobre) e que é incapaz de dar voz eleitoral a quem decide apresentar as suas ideias a legitimação popular. Não deixa de ser também revelador o facto de a única candidatura independente aceite ter sido a de Manuel Alegre. Terá sido a influência decisiva dos media?

Este tipo de medidas de que V.Exa é vítima não é mais do que um sinal dos tempos. Tempos em que se pretende aniquilar qualquer pequeno pequeno partido através de reformas do sistema político, tempos em que não se compreende que é a mais vasta pluralidade que traz a mais vasta qualidade democrática, mas antes se aposta em oligarquizar o sistema político, transformando-o sub-repticiamente numa estrutura bi-partidária amorfa, assustadoramente semelhante à monarquia constitucionalista de finais de século XIX, modelo de provada falência.

Desejando-lhe sorte, despeço-me com os melhores cumprimentos.

João Pedro Delgado.

Apelo

Antes de votar, leia os programas políticos e os compromissos para com os eleitores dos diversos candidatos. Não vote na cara ou na imagem. Vote em ideias, de preferência escritas.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Vale a pena votar?

António Mexia é presidente executivo da EDP. Ora, não percebo. Esse senhor não era ministro da economia de um governo que foi esmagadoramente derrotado nas últimas eleições legislativas? Agora é chefe da eléctrica nacional porque os accionistas privados assim o exigem?
Expliquem-me então agora: o povo vota contra António Mexia e o seu governo. Tempos depois ele aparece a controlar um pilar estruturante do Estado, que se baseia em exploração de infraestruturas, recursos humanos e recursos naturais do país. Mas, se quem perde eleições continua a dirigir o país em nome do capital privado internacional, para que votamos? Afinal de contas serve de alguma coisa a democracia, se não é o governo que dirige os recursos fundamentais do país?
O que piora ainda a situação é a notável afirmação do actual ministro da economia: "Não podiamos impedir a nomeação de António Mexia por meros motivos políticos". Aqui está a questão! É que esses motivos políticos, tão pouco decisivos no que toca a quem dirige a energia eléctrica portuguesa, são os únicos onde o povo em geral poderá ter alguma voz. O abandono dos motivos políticos é o abandono da opinião da população em prol de outras que, por mais nobres que sejam, não têm qualquer legitimidade. A referência pejorativa à expressão "motivos políticos" é necessariamente uma referêcia pejorativa às palavras "voto" e "democracia".
Quando Manuel Pinho nos diz que motivos políticos não servem para tomar decisões em cargos de grande responsabilidade estratégica, revela-nos no fundo que o facto de votar PSD, PS, PCP ou BE é irrelevante. As decisões estratégicas foram subrepticiamente desviadas do voto e transportadas para o interesse do capital.
Terão estes factos que ver com a súbita liberalização dos preços da electricidade (que em português bem falado quer dizer aumento)?
Pelo que se vê, o voto PS ou PSD vai desaguar sempre na mesma directriz essencial de orientação. Sobram dois partidos (acho que há ainda um outro, mas não tenho a certeza): PCP e BE. Os únicos dois que não permitiriam semelhante promiscuidade Estado/multinacionais, ex-ministro Pina Moura/ex-ministro Mexia, barragens portuguesa/Iberdrola, etc, etc...
Depois é só escolher. Se se tiver vergonha do que dizem os vizinhos, medo de ser apelidado de comuna, se se quiser ser jovem intelectual, parecer de boas famílias e alimentar a esperança de se chegar a comentador político de tudologia, então vote-se Louçã com inscrição no BE incluida. Se não se é nada disto, mas ainda assim a dignidade das causas se revela em necessidade de acção política, sobra apenas uma candidatura: Jerónimo de Sousa. Se calhar, afinal vale mesmo a pena votar.

Por um socialismo de acção

Acção de rua, extra-parlamentar, acção cultural, acção armada, acção social, extra-política, acção educativa e acção concreta.
"Sem a contestação extra-parlamentar estrategicamente orientada e sustentada, os partidos que se alternam no governo podem continuar a oferecer a si próprios alibis recíprocos para o fracasso estrutural do sistema em relação ao trabalho, confinando efectivamente o movimento do trabalho ao papel de um apêndice inconveniente, mas marginalizado, no sistema parlamentar do capital. Portanto, em relação tanto ao domínio reprodutivo material como ao político, a constituição de um movimento socialista extra-parlamentar de massas estrategicamente viável — em conjunção com as formas tradicionais de organização política do trabalho, hoje desesperançadamente sem rumo e fortemente necessitadas do apoio e da pressão radicalizantes de tais forças extra-parlamentares — é uma pré-condição vital para a contraposição ao maciço poder extra-parlamentar do capital. "
István Mészáros
Poderá ver aqui o texto completo. Obrigado ao resistir.info

terça-feira, janeiro 03, 2006

Einstein - Porquê o Socialismo?

Porquê o Socialismo?
por Albert Einstein

Será aconselhável para quem não é especialista em assuntos económicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões.
Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenómenos de forma a tornar a interligação destes fenómenos tão claramente compreensível quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenómenos económicos observados são frequentemente afectados por muitos factores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente económicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados da história ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.
Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassámos de facto o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os factos económicos observáveis pertencem a essa fase e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objectivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência económica no seu actual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro.
Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade.
Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afectam a organização da sociedade.
Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supra-nacional ofereceria protecção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”
Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamento dolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma saída?
É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do facto de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples.
O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantess, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidae que finalmente emerge é largamente formada pelo ambinte em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstracto de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações directas e indirectas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indíviduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”.
É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um facto da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientes podem desempenhar um papel.
O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido.
Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do facto de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os objectivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo.
Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência económica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo naïve, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade.
A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos.
Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exactamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto.
O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos.
Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia actual não difere muito do capitalismo “puro”.
A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente.
Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira.
Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objectivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planeada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa actual sociedade.
No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas socio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder económico e político, evitar a burocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia?
A clareza sobre os objectivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas actuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante.
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Einstein escreveu este trabalho especialmente para o lançamento da Monthly Review , cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1949. Tradução de Anabela Magalhães.
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