sexta-feira, dezembro 31, 2004
Eis o ridículo promovido a razão de estado.
Como qualquer imbecil com uma vaga ideia de oferta/procura pode ser economista de opinião considerável.
Eis como qualquer pobre coitado sem ideias, forma ou conteúdo consegue encher uma coluna no DN.
A minha questão é como é que gente desta consegue ter a influência que tem. Não é da competência profissional (qualquer amador desmonta a sua teoria económica que, de antiquada, já foi refutada suficientes vezes por prémios nobel nos últimos anos); não é da erudição (como se pode ver no hilariante texto de fino recorte literário e espiritual aqui apresentado); não é da facilidade argumentativa (é vê-lo embatucado em qualquer argumento infantil anti-neoliberal); de que será?
O que terá este senhor feito a quem o aprovou no doutoramento? O que terá este senhor feito a quem o contratou para professor? O que terá este senhor feito à SICnotícias?
Boas referências aqui.
quinta-feira, dezembro 23, 2004
Já na altura era Natal
Segundo a tradição pagã romana hoje comemoram-se as Larentais, dia de louvor a Aca Larência. Alguns dizem que foi quem adoptou e alimentou os gémeos de Roma. Santo Agostinho cita-a como sendo uma famosa prostituta com quem Hércules casou em troca de serviços. Cada historiador romano apresenta-nos uma versão diferente... Lívio, Catão, Plutarco, etc.
Certo é que ela está na origem do culto Mater Larum, Mãe dos Lares, realizado na época no sopé do monte Palatino e cujas festividades tinham lugar a 23 de Dezembro, as Larentais. Poderá, ao que parece, ser uma das origens pagãs das comemorações natalícias.
quarta-feira, dezembro 22, 2004
Poema sobre insignificância VI
" As Messes
Olha o campo semeado:
inclinando-se perante o vento,
as messes parecem
esquadrões de cavalaria
fugindo derrotados
e sangrando pelas feridas
das papoilas."
Jyad, poeta do Al-Andaluz, Séc.XI
Olha o campo semeado:
inclinando-se perante o vento,
as messes parecem
esquadrões de cavalaria
fugindo derrotados
e sangrando pelas feridas
das papoilas."
Jyad, poeta do Al-Andaluz, Séc.XI
terça-feira, dezembro 21, 2004
Platão a fazer campanha
No mesmo discurso (o segundo do Fedro), Platão apresenta-nos, através de Sócrates, o seu conceito de graduação de importância imtelectual de cada função humana para o mundo. Folgo em localizar a minha profissão logo no topo da pirâmide...
"A alma que maior número de verdades tenha contemplado, está destinada a implantar-se no sémen de onde se gerará um filósofo, um esteta ou um músico; a alma de segundo grau animará o corpo de um rei obediente às leis ou de um guerreiro hábil na estratégia; a alma de terceiro grau animará o corpo de um político, economista ou financeiro; a de quarto grau animará o corpo de um atleta ou de um médico; a de quinto grau terá direito a dar existência a um profeta, ou a um adivinho consagrado a qualquer forma de iniciação; a de sexto grau será a do poeta ou de qualquer outro criador de imitações; a de sétimo grau será a de um artesão ou camponês; a de oitavo grau será a do sofista, cuja arte consiste em lisonjear o povo, a demagogia; a de nono grau corresponderá à de um tirano."
Foi o Platão que disse que Santana Lopes estava ali, no oitavo grau. Apenas um pouco acima do tirano... Não fui eu.
Natureza humana
Platão deixa no Fedro (no segundo discurso de Sócrates) uma noção claríssima do seu conceito cosmológico (os dois mundos, os mitos das sombras, do mundo sensível, etc) e das relações puras (vulgo amor platónico). Quanto à primeira, trata-se de excertos demasiado longos para este registo, mas quanto à segunda, aqui fica um pouco.
"Lembremos que, no princípio da narração deste mito, dividi a alma em três partes, duas correspondentes aos cavalos que puxam uma carroça e a outra correspondente ao cocheiro. [...]
Disse que um dos corcéis era de boa raça e o outro de má raça. Mas agora importa saber em que consiste a bondade de um e a maldade de outro. Pois bem!
O primeiro, de melhor aspecto, tem um corpo harmonioso e bem lançado, pescoço altivo, focinho arrebitado, pêlo branco, olhos negros, desejo de uma glória que faça boa companhia à moderação e à sobriedade. Como é amigo da opinião certa, para ser conduzido não precisa de ser esporeado, pois basta, para o fazer trotar, uma palavra de comando, ou de encorajamento. Por sua vez, o segundo é torto e disforme. Foi criado não sabemos como, tem o pescoço baixo, a nuca amarrada, o focinho achatado, a cor negra, os olhos conzentos, uma compleição sanguínea. Amigo da soberba e da lascívia, as orelhas muito peludas, não obedece a ordens e a muito custo obedece, depois de castigado com o açoite.
O cocheiro, se encontra um objecto digno de ser amado, esse encontro aquece-lhe a alma, enche-a de calor, de pruridos de desejo. O cavalo obediente obedece ao cocheiro enquanto o outro não obedece, nem ao freio nem ao castigo, e move-se, à força, entre obstáculos, embaraçando tanto o cocheiro como o outro corcel e levando-os para onde ele quer, para o desejo e para a lascívia!
Finalmente, ambos os corcéis acabam por se sentir indignados perante a consciência que lhes diz o que é abominável e contrário aos bons costumes, e assim acabam por se deixar conduzir, sem relutância [...]"
Platão contra tudo e contra todos, naquela época.
domingo, dezembro 19, 2004
Mais uma pausa...
Mais uma pausa forçada no normal funcionamento do blog, desta vez causada por problemas informáticos.
Vamos lá ver como correm as coisas.
sexta-feira, dezembro 17, 2004
Poema sobre insignificância V
" A Grilheta
Grilheta, não sabes que já sou teu?
Por que és dura e sem piedade?
Se esse ferro deste sangue já bebeu
e a minha própria carne já mordeu
não me roas os ossos com maldade."
Al-Mutamid, aquando da sua prisão (onde morreu) no deserto marroquino.
Grilheta, não sabes que já sou teu?
Por que és dura e sem piedade?
Se esse ferro deste sangue já bebeu
e a minha própria carne já mordeu
não me roas os ossos com maldade."
Al-Mutamid, aquando da sua prisão (onde morreu) no deserto marroquino.
Epigrafia Medieval Portuguesa
No post anterior esqueci-me da livraria da Fundação Gulbenkian. Afinal temos em Portugal uma loja que consegue atingir o nível da Alcalá.
Foi lá que hoje comprei um documento de grande dimensão histórica. Um Corpus Epigráfico Medieval Português muito completo, recentemente recolhido e trabalhado como tese de doutoramento pelo Dr. Mário Jorge Barroca.
Simplificando muito, um corpus epigráfico é uma recolha de todas (se possível) as inscrições em pedra detectáveis em determinada região num espaço de tempo definido. No trabalho em causa foram recolhidas todas as inscrições desde o século V (a mais antiga conhecida em solo nacional) até a 1422 (data em que D. João I abandona o calendário Hispânico e adopta o moderno católico). Abrange-se assim toda a Idade Média portuguesa.
Como se trata de um trabalho de doutoramento, não nos deparamos apenas com uma lista, mas sim com uma análise vastíssima dos dados. Singularmente, em conjunto, por épocas, por regiões, por grafias, por tipos, etc.
O especial interesse desta obra provém do facto de poder constituir uma ferramenta de luxo na análise histórica portuguesa e, ao mesmo tempo, um excelente guia turístico...
O trabalho ciclópico que este senhor teve ao fazer esta obra monumental merece a nossa atenção.
quinta-feira, dezembro 16, 2004
Não pode ser...
Já me tinham dito que a melhor livraria em Portugal era a Alcalá - Livraria Espanhola. Eu não queria acreditar. Em Portugal, os melhores livros vêm de Espanha e falam castelhano? Não podia ser.
Finalmente fui lá. Fiquei chocado. Não pode ser.
É de facto chocante a quantidade enorme de livros fulcrais ao desenvolvimento da humanidade, nunca vistos em português, que lá se encontram em castelhano. Literatura clássica, história da nossa península.
Mas o pior (o melhor) de tudo: reedições fac-similadas de livros portugueses dos séculos XVII e XVIII de relevantíssimo interesse histórico. O que nós escandalosamente não fazemos por nós, fazem os espanhóis...
Um exemplo de um deles: uma reedição notável de um livro da Academia de Ciências do séc.XVIII, que transcreve os documentos árabes encontrados na torre do tombo por Fr. João de Sousa, apresentados em edição bilíngue original.
Uma raridade: uma edição fac-similada da "España Sagrada" de Henrique Florez, livro que abrange uma enorme fatia da nossa história pré-nacional.
E que tal Gracia Lorca na sua língua materna?
Livraria bastante cara, mas impressionante.
quarta-feira, dezembro 15, 2004
Peço desculpa
Gostava de pedir desculpas aos leitores do meu blog pelo espaço de tempo longo no qual não tenho colocado posts.
Prometo voltar à carga (com mais que um post diário, como dantes) na próxima sexta-feira.
sexta-feira, dezembro 10, 2004
Poema sobre insignificância IV
" O Marmelo
É de cor amarela,
como envergando
uma túnica de narcisos
e exala como o almíscar
de penetrante aroma.
Da amada tem o perfume
e a mesma dureza de coração,
mas tem a cor do amante
apaixonado e macilento.
A sua palidez
é um empréstimo
da minha palidez
e é o seu aroma
a hálito da minha amiga.
Quando, fragrante,
se ergueu no ramo
e mantos de brocado
lhe teceram as folhas,
suavemente,
estendi a minha mão,
colhendo-o
e, como aroma,
colocando-o na sala.
Tinha um vestido
de cinzenta penugem,
revoluteando
sobre seu liso corpo de ouro.
E quando, na minha mão,
ficou despido,
sem mais que sua camisa
da cor do narciso,
fez-me recordar
aquela que não posso nomear
e o ardor do meu alento
emurcheceu-o entre meus dedos."
Al-Mushafi, Séc.X
É de cor amarela,
como envergando
uma túnica de narcisos
e exala como o almíscar
de penetrante aroma.
Da amada tem o perfume
e a mesma dureza de coração,
mas tem a cor do amante
apaixonado e macilento.
A sua palidez
é um empréstimo
da minha palidez
e é o seu aroma
a hálito da minha amiga.
Quando, fragrante,
se ergueu no ramo
e mantos de brocado
lhe teceram as folhas,
suavemente,
estendi a minha mão,
colhendo-o
e, como aroma,
colocando-o na sala.
Tinha um vestido
de cinzenta penugem,
revoluteando
sobre seu liso corpo de ouro.
E quando, na minha mão,
ficou despido,
sem mais que sua camisa
da cor do narciso,
fez-me recordar
aquela que não posso nomear
e o ardor do meu alento
emurcheceu-o entre meus dedos."
Al-Mushafi, Séc.X
quarta-feira, dezembro 08, 2004
Hispania
Por pena de Camilo, diz o Visconde de Armagnac nos "Mistérios de Lisboa":
"Se fazeis de donzela tímida, de puer Ascanius, desmentis a ousadia peninsular de vossa raça fenícia, cartaginesa, sueva e árabe."
Noutro passo, o maior romancista português havia dito sobre um português:
"Era preciso que fosse muito pouco orgulhoso para não vir... ouço dizer que estes homens de Espanha são netos dos Árabes!..."
Poema sobre insignificância III
" A noz
Envoltura de duas peças
tão unidas (que linda à vista!):
pálpebras cerradas de sono.
Aberta à faca:
pupila convexa
no esforço de mirar.
À orelha, por suas pregas
e esconderijos,
o sei interior
podes comparar."
Ibn Al-Qutiyya, Séc. XI
Envoltura de duas peças
tão unidas (que linda à vista!):
pálpebras cerradas de sono.
Aberta à faca:
pupila convexa
no esforço de mirar.
À orelha, por suas pregas
e esconderijos,
o sei interior
podes comparar."
Ibn Al-Qutiyya, Séc. XI
Proposta cinematográfica
Abu Al Walid Ibn Rushd, nasceu em Córdoba (a mais prodigiosa cidade do mundo na época) no séc.XII. Médico, legislador e filósofo, era-lhe atribuído o epíteto de "O Comentador" por ser um exímio estudioso de Aristóteles (ao contrário da tradição muçulmana que consagrava Platão como a fonte da sua filosofia e teologia).
Foi, para além disso, responsável por que a maior parte das obras da antiguidade clássica chegassem aos nossos dias. Traduziu, copiou, inventariou, escondeu e guardou para a posteridade uma parte considerável dos grandes livros gregos e romanos que inspiram os axiomas humanistas da sociedade ocidental.
Sobre a vida deste grande Humanista (Averróis, o seu nome cristão) fala um magnífico filme, intitulado "O Destino" do egípcio Youssef Chahine.
terça-feira, dezembro 07, 2004
Conquista?
Lamentação de Álvaro, cristão de Córdoba em 854, citado por Adalberto Alves:
"Os nossos jovens cristãos, com os seus ares finos e fala fluente, lêem a poesia e os contos árabes, estudam os textos dos teólogos e filósofos maometanos, não para os contestarem, mas para aprenderem a exprimir-se em árabe com maior correcção e elegância.
[...]
Quem de entre ele estuda os evangelhos, os profetas e os apóstolos?
[...]
Lêem e estudam com zelo os livros árabes, construindo grandes bibliotecas, muito dispendiosas, e proclamando em voz alta que esta literatura é digna de admiração."
Posto assim, não me parece uma conquista; antes amor à primeira vista.
segunda-feira, dezembro 06, 2004
Poema sobre insignificância II
" A Beringela
Redonda forma
de agradável gosto.
Da água fresca dos jardins
lhe vem o mosto.
Cingida a carapaça
ao pé, que a nutre,
é coração rubro de cordeiro
prisioneiro das garras de um abutre."
Ibn-Sâra, Séc.X/XI
Redonda forma
de agradável gosto.
Da água fresca dos jardins
lhe vem o mosto.
Cingida a carapaça
ao pé, que a nutre,
é coração rubro de cordeiro
prisioneiro das garras de um abutre."
Ibn-Sâra, Séc.X/XI
Glória pela literatura
"Ora, se alguém julga poder obter menor nomeada de versos gregos do que dos latinos, profundamente se engana: as obras gregas são lidas em quase todo o mundo, as latinas estão confinadas às suas fronteiras, evidentemente exíguas. Consequentemente, se os nossos feitos têm como fronteira os confins do globo, devemos ansiar porque, aonde cheguem as nossas forças armadas, aí penetre o nosso glorioso renome. Se tudo isto é importante para os povos cujos feitos se narram, também constitui enorme incentivo para as arriscadas façanhas daqueles que arriscam a vida pela glória."
Cícero - "Em defesa do Poeta Árquias"
sábado, dezembro 04, 2004
Poema sobre insignificância I
Um dos temas mais curiosos da poesia árabe é o tratamento de objectos de uso diário, frutos ou simples legumes e animais. Pequenos pormenores da vida quotidiana de que o Al-Andaluz extraíu muito sumo literário. O alaúde, a grilheta, o dedal, a formiga, a açucena, a alcachofra, a carta, etc...
A partir de hoje passarei, de vez em quando, a colocar no blog alguns destes deliciosos poemas sobre insignificâncias.
"O Dedal
Dedal, brilhante
como os raios de sol:
se lhe dá o reflexo
de uma estrela do céu,
ilumina-se.
Tanto se apurou
no seu lavor o ourives,
até verter ouro
nos seus bordos.
Pequeno capacete,
picado de lanças - parece -
e que um golpe de espada
lhe arrancou a cimeira."
Al-Liss, "O Ladrão", Séc.XII
A forma na poesia
"Há quem discuta se o bom poema vem da arte se da natureza: cá por mim, nenhuma arte vejo sem rica intuição e tão-pouco serve o engenho sem ser trabalhado: cada uma destas qualidades se completa com as outras e amigavelmente devem todas cooperar. O atleta que forceja por atingir na corrida a meta desejada, muito fez e suportou desde menino, suou, sofreu e absteve-se de vinho e de Vénus; o flautista, que entoa carmes nos Jogos Píticos, teve de aprender primeiro e de obedecer a um mestre. [...]"
Quinto Horácio - "Arte Poética"
sexta-feira, dezembro 03, 2004
Ibn Hazm
"Vieste a mim, gazela, um pouco antes
de os cristãos tocarem os sinos,
quando, no céu, surgia a meia lua -
como a sobrancelha de um velho
de cãs quase toda coberta
ou como a delicada curva da planta do pé.
E ainda que fosse noite,
com a tua vinda,
o arco de Allah
brilhou no horizonte,
vestido de todas as cores,
como a cauda dos pavões".
Ibn Hazm, Poeta do Al-Andaluz, Séc.XI
de os cristãos tocarem os sinos,
quando, no céu, surgia a meia lua -
como a sobrancelha de um velho
de cãs quase toda coberta
ou como a delicada curva da planta do pé.
E ainda que fosse noite,
com a tua vinda,
o arco de Allah
brilhou no horizonte,
vestido de todas as cores,
como a cauda dos pavões".
Ibn Hazm, Poeta do Al-Andaluz, Séc.XI
Ocupar o tempo
Saint-Éxupery, escritor, amante do deserto e pioneiro da aviação, aterrou um dia no Sahara junto de uma caravana Tuareg. Conversando com os viajantes disse: "Com este aparelho (o avião) atravesso em 2 horas a quantidade de deserto que vos leva 2 meses a percorrer." Ao que os Tuaregs, intrigados, perguntaram: "E o que é faz no resto do tempo?".
Numa pedra
Que somos Mouros que somos árabes, diz-nos a altivez, o messianismo, a grandeza mesmo na mais aviltante situação, o orgulho sempre ferido, diz-nos esta mania de querer voltar sempre ao sítio onde se nasceu.
"Deixo escrito como recordação perene de quando sofro. A minha mão perecerá um dia, mas a grandeza ficará."
Epígrafe árabe encontrada na Sé Velha de Coimbra, inscrita por uma alarife cativo mouro, já durante a ocupação cristã.
"Deixo escrito como recordação perene de quando sofro. A minha mão perecerá um dia, mas a grandeza ficará."
Epígrafe árabe encontrada na Sé Velha de Coimbra, inscrita por uma alarife cativo mouro, já durante a ocupação cristã.
quinta-feira, dezembro 02, 2004
"Ao cair da tarde,
sem aviso prévio,
junto de mim passaram
incendiando, ai quanto!,
o fogo do meu coração!
Não se estranhe
que aumentasse
o meu desejo
com o seu passo:
ao sedento exarceba
a visão da água."
Al-Radi Bi-Llah
sem aviso prévio,
junto de mim passaram
incendiando, ai quanto!,
o fogo do meu coração!
Não se estranhe
que aumentasse
o meu desejo
com o seu passo:
ao sedento exarceba
a visão da água."
Al-Radi Bi-Llah
quarta-feira, dezembro 01, 2004
A forma
"O belo está relacionado com a faculdade cognitiva porque belas são as coisas que quando apreendidas dão prazer [...]. Os nossos sentidos fruem as coisas bem proporcionadas como algo que é semelhente a eles, visto que o sentido, tal como qualquer outra faculdade cognitiva, é uma espécie de proporção. O conhecimento faz-se por assimilação e a semelhança diz respeito à forma: o belo, portanto, liga-se à ideia de causa formal."
Tomás de Aquino - "Summa Theologicae"
Estará na hora de um neo-neo-neo-classicismo? Voltar ao soneto, à proporção de ouro e à forma sonata.
Arte longe do público
Na arte contemporânea habituámo-nos a assistir a uma reinvenção total em cada obra. Um poeta, um compositor, para ser alguém hoje em dia tem de criar a sua própria técnica, o seu próprio universo estético. Qualquer criador que se proponha a utilizar uma veículo artístico já existente para se expressar está condenado ao fracasso.
Esta atitude leva a que, quando se cria, se faça um esforço constante para esquecer tudo o que está para trás. Desta forma, a arte resultante é dificilmente acompanhada pelo público, já que não oferece referências a partir das quais a apreciação possa evoluir. A música contemporânea é um bom exemplo do que referi; o que se diria se um compositor utilizasse, nos tempos que correm, o serialismo integral? Ou o modalismo? Desactualizado, sem ideias, não tem nada a dizer, etc, etc... A questão é que este compositor pode ter alguma coisa a dizer, simplesmente não inventa uma linguagem para o fazer, preferindo utilizar uma já existente, achando que expressa melhor aquilo que tem a exprimir através dela. Estará o modernismo esgotado? Estará tudo esgotado para trás de nós? Não haverá pontas abandonadas que vale a pena desenvolver? Porquê deitar fora conquistas que tanto custaram a desenvolver?
Um caso de uma grande evolução artística esquecida em benefício da "contemporaneidade" é a justa medida. A Forma artística no sentido mais clássico. A forma rígida. Sobre isto, fala-nos Tomás de Aquino no post que coloco a seguir...