«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

terça-feira, dezembro 21, 2004

Natureza humana

Platão deixa no Fedro (no segundo discurso de Sócrates) uma noção claríssima do seu conceito cosmológico (os dois mundos, os mitos das sombras, do mundo sensível, etc) e das relações puras (vulgo amor platónico). Quanto à primeira, trata-se de excertos demasiado longos para este registo, mas quanto à segunda, aqui fica um pouco.
"Lembremos que, no princípio da narração deste mito, dividi a alma em três partes, duas correspondentes aos cavalos que puxam uma carroça e a outra correspondente ao cocheiro. [...]
Disse que um dos corcéis era de boa raça e o outro de má raça. Mas agora importa saber em que consiste a bondade de um e a maldade de outro. Pois bem!
O primeiro, de melhor aspecto, tem um corpo harmonioso e bem lançado, pescoço altivo, focinho arrebitado, pêlo branco, olhos negros, desejo de uma glória que faça boa companhia à moderação e à sobriedade. Como é amigo da opinião certa, para ser conduzido não precisa de ser esporeado, pois basta, para o fazer trotar, uma palavra de comando, ou de encorajamento. Por sua vez, o segundo é torto e disforme. Foi criado não sabemos como, tem o pescoço baixo, a nuca amarrada, o focinho achatado, a cor negra, os olhos conzentos, uma compleição sanguínea. Amigo da soberba e da lascívia, as orelhas muito peludas, não obedece a ordens e a muito custo obedece, depois de castigado com o açoite.
O cocheiro, se encontra um objecto digno de ser amado, esse encontro aquece-lhe a alma, enche-a de calor, de pruridos de desejo. O cavalo obediente obedece ao cocheiro enquanto o outro não obedece, nem ao freio nem ao castigo, e move-se, à força, entre obstáculos, embaraçando tanto o cocheiro como o outro corcel e levando-os para onde ele quer, para o desejo e para a lascívia!
Finalmente, ambos os corcéis acabam por se sentir indignados perante a consciência que lhes diz o que é abominável e contrário aos bons costumes, e assim acabam por se deixar conduzir, sem relutância [...]"
Platão contra tudo e contra todos, naquela época.