Natureza humana
Platão deixa no Fedro (no segundo discurso de Sócrates) uma noção claríssima do seu conceito cosmológico (os dois mundos, os mitos das sombras, do mundo sensível, etc) e das relações puras (vulgo amor platónico). Quanto à primeira, trata-se de excertos demasiado longos para este registo, mas quanto à segunda, aqui fica um pouco.
"Lembremos que, no princípio da narração deste mito, dividi a alma em três partes, duas correspondentes aos cavalos que puxam uma carroça e a outra correspondente ao cocheiro. [...]
Disse que um dos corcéis era de boa raça e o outro de má raça. Mas agora importa saber em que consiste a bondade de um e a maldade de outro. Pois bem!
O primeiro, de melhor aspecto, tem um corpo harmonioso e bem lançado, pescoço altivo, focinho arrebitado, pêlo branco, olhos negros, desejo de uma glória que faça boa companhia à moderação e à sobriedade. Como é amigo da opinião certa, para ser conduzido não precisa de ser esporeado, pois basta, para o fazer trotar, uma palavra de comando, ou de encorajamento. Por sua vez, o segundo é torto e disforme. Foi criado não sabemos como, tem o pescoço baixo, a nuca amarrada, o focinho achatado, a cor negra, os olhos conzentos, uma compleição sanguínea. Amigo da soberba e da lascívia, as orelhas muito peludas, não obedece a ordens e a muito custo obedece, depois de castigado com o açoite.
O cocheiro, se encontra um objecto digno de ser amado, esse encontro aquece-lhe a alma, enche-a de calor, de pruridos de desejo. O cavalo obediente obedece ao cocheiro enquanto o outro não obedece, nem ao freio nem ao castigo, e move-se, à força, entre obstáculos, embaraçando tanto o cocheiro como o outro corcel e levando-os para onde ele quer, para o desejo e para a lascívia!
Finalmente, ambos os corcéis acabam por se sentir indignados perante a consciência que lhes diz o que é abominável e contrário aos bons costumes, e assim acabam por se deixar conduzir, sem relutância [...]"
Platão contra tudo e contra todos, naquela época.
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