Pedro Santana Lopes é primeiro-ministro. Nuno Cardoso foi ouvido pela PJ. Para que não seja ouvido apenas quem perde o poder, mas também quem o detém, não resisto a fazer copy-past de um artigo de Miguel Sousa Tavares de Setembro de 2003, apesar de fugir do âmbito do meu blog e, suponho, dos interesses de quem me lê. Não se trata, de todo, de uma defesa de Nuno Cardoso ou Fernando Gomes, mas sim de uma condenação de acção global, não apenas selectiva como tem sido, da corrupção política.
1. Os leitores terão acompanhado uma polémica desenvolvida nestas páginas entre mim e Pedro Santana Lopes, a propósito dos apoios concedidos pelas câmaras municipais de Lisboa e Porto aos respectivos clubes. Ele sustenta que o F. C. Porto foi altamente beneficiado pela CMP na construção do novo Estádio do Dragão; eu afirmo que não, sobretudo se compararmos com os apoios que o próprio Pedro Santana Lopes, enquanto presidente da CML, concedeu a Benfica e Sporting para a construção dos respectivos estádios. Da última vez que voltou a desafiar-me sobre este tema prometi que publicaria aqui os acordos celebrados entre a CML e o Benfica e Sporting, para que os leitores pudessem julgar por si, ao mesmo tempo que o desafiei a fazer o mesmo relativamente ao que diz ter-se passado entre a CMP e o F. C. Porto.
Cumpro agora a minha promessa, continuando à espera que ele cumpra a sua - na certeza de que lhe é muito mais fácil a ele obter os elementos que quiser do seu correligionário Rui Rio, que, além do mais, nutre um ódio de estimação pelo F. C. Porto, do que me foi a mim obter elementos guardados na CML e jamais vindos a público.Passo, pois, a reproduzir as disposições fundamentais dos contratos-programa, celebrados em Junho de 2002, entre a CML, representada por Pedro Santana Lopes, a EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa), representada pelo seu presidente Sequeira Braga, e os presidentes do S. L. Benfica e do Sporting C. P. Vou-me fixar no contrato com o Benfica, porque é aquele que mais referi e que mais envolvimento de dinheiros públicos envolve, assinalando depois as diferenças para o contrato celebrado com o Sporting. E faço-o acompanhar de notas explicativas da minha autoria, destinadas a descodificar uma linguagem contratual que procura eliberadamente esconder a dimensão do que está em causa.Assim:
2. Considerando: O empenho da CML na criação e desenvolvimento das condições necessárias à prática do desporto, em benefício dos cidadãos da cidade de Lisboa;
3. Que a criação do novo Complexo Desportivo do Sport Lisboa e Benfica, designadamente através da construção do novo Estádio e demais equipamentos desportivos envolventes, constituem não só a realização de um interesse nacional... mas também de interesse local, pela sua importância para a cidade de Lisboa...
(Nota - Para que os espíritos mais generosos acreditem que o novo estádio não era principalmente do interesse do Benfica mas sim da CML e dos cidadãos de Lisboa, que vão passar a dispor de um novo recinto para poderem jogar futebol nos tempos livres...)...
4. Que não obstante o interesse municipal na construção do novo Estádio e demais equipamentos desportivos... o Município de Lisboa optou por não atribuir ao Clube uma comparticipação financeira, que oneraria necessariamente o orçamento municipal e prejudicaria a realização das demais obras a cargo do Município...
(Nota - Portanto, não damos dinheiro para o novo Estádio do Benfica...)
Cláusula Terceira1. A CML, de acordo com a legislação urbanística e o Plano Director Municipal em vigor, reconhece o direito a uma área de construção de 65.000 m2 nos terrenos actualmente propriedade deste clube, sitos na zona envolvente do Estádio...
2. O SLB compromete-se a alienar à EPUL, em propriedade plena, e esta compromete-se a adquirir, os referidos terrenos... com a área de construção acima referida... pelo preço de 100.000$00 o m2.
(Nota - E eis como, com toda a limpeza, se desmente o que acima se tinha escrito: a CML não dá um tostão ao Benfica mas dá a EPUL, empresa que depende inteiramente da CML e que tem por objectivo construir habitação a preços reduzidos em Lisboa. Através desta cláusula a EPUL deu ao Benfica 6,5 milhões de contos. Que eu saiba jamais a EPUL comprou terrenos a particulares, visto que, para cumprir o seu fim social, dispõe de amplos terrenos municipais onde construir na cidade de Lisboa. É, aliás, de prever que jamais a EPUL venha a construir um metro quadrado que seja encostado ao Estádio da Luz, negócio que só pode ser ruinoso. Resta acrescentar que, salvo erro, estes mesmos terrenos que Santana Lopes mandou a EPUL comprar ao Benfica haviam-lhe sido doados pela mesmíssima CML, ao tempo do dr. Jorge Sampaio, e com o expresso fim de neles o clube construir equipamentos desportivos de utilização pública e privada - o que jamais fez. Ou seja: a CML, escondida atrás da EPUL, comprou ao Benfica, por 6,5 milhões de contos, os mesmos terrenos que já lhe havia dado...)
Cláusula Quarta1. A CML, a EPUL e o SLB comprometem-se a estabelecer um acordo de associação... que terá por objecto a construção de 200 fogos em terrenos sitos no Vale de Santo António...
2. Os eventuais proventos líquidos desta operação serão repartidos em partes iguais pelas aqui contratantes...[Nota - Não se especifica que área ou que valor terão os fogos a construir mas o fundamental do negócio ficou acordado: em terrenos municipais, a EPUL vai projectar, construir e comercializar 200 fogos, entregando no final um terço dos lucros ao Benfica, que apenas teve de ficar sentado à espera. Ou seja, uma empresa pública que investe propriedade e dinheiros públicos para um negócio a favor de uma empresa privada que em nada contribuiu para o negócio. O Benfica fez já uma tentativa para que a CML lhe antecipasse a sua parte nos lucros, o que não sei se terá conseguido. Tendo em conta os preços praticados habitualmente pela EPUL (e que estão longe de ser baratos), é de prever que cada fogo saia a cerca de 60.000 contos, em média. Se deduzirmos um terço para despesas (o terreno é público, logo grátis), o lucro final pode ser estimado em cerca de oito milhões de contos, cabendo ao Benfica um pouco mais de 2,5 milhões.]Cláusula Quinta1. A CML compromete-se a ceder, a título gratuito e em direito de superfície, pelo prazo de trinta anos, prorrogável pelos períodos e duração estabelecidos em acordo a celebrar entre as partes, um terreno sito no Eixo Norte-Sul, destinado à instalação de um posto de abastecimento de combustíveis, que sirva os dois sentidos do referido Eixo... o qual poderá ser explorado por aquele clube directamente ou ser cedido a terceiro...
(Nota - De acordo com a redacção desta cláusula, o contrato pode ser tendencialmente eterno. Note-se também a habilidade de fingir que se trata apenas de um posto, embora «nos dois sentidos» da estrada. Ou seja, são dois postos e cada um deles está avaliado no mercado em cerca de três milhões de contos de valor de concessão.)
E eis o clausulado fundamental do acordo celebrado pela CML com o Benfica, a tal «solução imaginativa» de que falava Santana Lopes. Contas feitas à imaginação aplicada, a CML, os munícipes de Lisboa, terão no final entregue ao Sport Lisboa e Benfica, em património, dinheiro ou direitos, uma quantia próxima dos 15 milhões de contos. A que se somam os 5,5 milhões provindos directamente do Estado e, aqui sim, ao abrigo de um contrato semelhante celebrado com todos os clubes que se dispuseram a construir estádios para o Euro-2004. Assim, de um orçamento de 26 milhões, o Benfica recebe dos contribuintes cerca de 20,5 milhões para o novo estádio. Está explicado o milagre.
Resta acrescentar que, face a tanta generosidade para com o Benfica, o Sporting tratou de protestar subtilmente, muito embora, no seu caso, o clube já tivesse assinado um contrato de apoio com a anterior vereação. Para evitar problemas, e por «um princípio de igualdade», Santana Lopes entendeu acrescentar aos apoios já concedidos ao Sporting mais o seguinte: licença de urbanização de mais 29.000 m2; o mesmo acordo com a EPUL para a construção de 200 fogos, agora em Campolide, com um terço das receitas para o Sporting; e uma bomba de gasolina no Lumiar, cujos residentes estão já a mover-se para tentar evitar a aberrante construção de uma bomba de gasolina numa rua de habitação, apenas para satisfazer o acordado entre a CML e o SCP.
Uma nota final para concluir que, consciente da imensa generosidade de que deu mostras, Pedro Santana Lopes gabou-se de ter feito incluir uma última cláusula nos contratos-programa assinados com Benfica e Sporting em que estes se comprometem a durante 10 anos não pedirem mais nenhum apoio à CML.
Haja Deus!
Miguel Sousa Tavares