«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

terça-feira, novembro 16, 2004

Árabes, mocárabes, judeus, sefarditas e cristãos (2)

Uma consequência das políticas régias que referi no posto abaixo é um curioso achado que Lopes-Graça fez no Algarve. Num dos seus livros sobre cantares populares, o musicólogo apresenta-nos o "Romance do Cativo"; romance cantado, com música e texto de características estróficas, com redunâncias e mnemónicas típicas dos romances de tradução oral, que contava a história de um católico feito cativo pelo mouros, que se vê livre através da paixão de uma moura rica que lhe paga o resgate.
Recentemente, musicólogos israelitas identificaram este romance exacto, com a mesma história, as mesmas palavras, a mesma música, cantada em sefardí em aldeias de Israel. Ou seja, contado em Portugal, o romance foi levado com os Judeus para o norte de áfrica em 1496 e, em 1945, para Israel pelos seus descendentes. Poderia ser uma coincidência, mas os pormenores da história e os detalhes musicais não deixam margem para dúvidas. Ecos desse romance, extractos musicais ou historietas de crianças relacionadas são contadas nas aldeias sefardís do norte de áfrica (locais de grande isolamento cultural, onde os costumes moçárabes se mantêm).
A provar a fama que este romance tinha na península em meados do Séc. XVI, estão alguns dos deliciosos capítulos centrais do "D.Quixote de La Mancha" de Cervantes, onde a mesma história é contada com todo o pormenor e acrescentada da extraordinária fantasia do escritor.

3 Comments:

Blogger HFR said...

Da minha experiência de investigador em Aljezur sempre achei que este romance, bem como outros romances oriundos da gesta medieval, se filiava na explicação das influências árabes em Portugal, designadamente nas regiões mais recônditas. Estudos da obra de Lopes Graça, muitos deles baseados na empiria de Michel Giacometti [que recolheu este romance], sempre me salientaram outra explicação para o facto: FLG sempre defendeu, ao contrário de "influência", o conceito de "similitude". Eu, só devo concordar com esta excelente tese, porque mais universalista.
Cumprimentos pelos excelentes posts.
Helder Raimundo.

12:29 da manhã  
Blogger JD said...

Agradeço a correcção. Eu vi o romance no livro de Lopes-Graça já há algum tempo. Não o tenho comigo, supos que tivesse sido recolha do compositor. Era afinal de Giacometti.

É, no entanto, revelador o facto de ser nos sítios mais isolados culturalmente que mais similitudes se encontram. Poderá indicar claramente origens comuns ou simples influências e ecos?

César Viana está a efectuar um trabalho muito interessante de recolha e comparação de cantares religiosos e profanos na região raiana da Idanha. Coincidências notáveis estão a ser objecto de estudo e concerteza teremos algumas boas suspresas.

1:48 da manhã  
Blogger HFR said...

Há tempos atrás quando ouvia o romance "Branca Rosa" [recolhido por nós em Aljezur, vinte anos depois de Giacometti ter lá estado}, apercebi-me da semelhança das frases melódicas iniciais com um tema da Orquestra Andalusi de Tânger. Era mesmo igual. O que poderia ter acontecido? Nem a informante Adélia Rosado teria conhecimento do tema marroquino nem a Orquestra conheceria a versão cantada de Aljezur! Pensando no assunto e lendo vários investigadores de etnomusicologia concordei com a ideia de Graça, sobre "a similitude", provinda de um caldeirão de culturas mediterrânicas que enformaram também a música, na época, e pelo vistos continuam a ter esse efeito.
Um abraço do Helder Raimundo.

10:36 da manhã  

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