«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

terça-feira, novembro 16, 2004

Árabes, mocárabes, judeus, sefarditas e cristãos (1)

Um dia em Agdz, pequeno oásis a antes de entrar no deserto marroquino, Sadik, um berbere nómada do deserto no inverno e negociante de artefactos para turistas no verão, ofereceu-me um chá no bazar dele com o intuito de, provavelmente, me vender algo. Coisa que conseguiu, já que eu fiquei estupefacto com o manancial de objectos artísticos berberes e tuaregs que ele me apresentava. O que ele queria em troca eram essencialmente medicamentos para o estômago e intestinos, anti-inflamatórios e garrafas de bebidas fortes (bagaço, vinho também, etc). E porquê? Porque eram exactamente estas as coisas que as tribos do deserto valorizavam e que queriam em troca dos ditos raros artefactos que lá vi.
Entre estes estavam um sem número de pratos, portas, correntes, cintas, etc, pejadas com inscrições e símbolos judaicos. Perguntei de onde vinham; a resposta pareceu óbvia a Sadik: "les juifs du desert!". Lembrei-me depois que os judeus que produziram todos aqueles objectos são, muito provavelmente, descendentes dos foragidos da península em 1496.
Quando em 1496, por pressões dos Reis Católicos, D. Manuel fixou que todos os judeus ou árabes teriam de se converter forçosamente ou deixar o país, a maioria daqueles largaram para o norte de áfrica, único lugar onde a tolerância religiosa era absoluta.
Os resultados, no entanto, não foram os esperados pelos Reis Católicos. D. Manuel cedo se apercebeu que necessitava (e muito) de judeus e moçárabes. Na cristandade pura e simplesmente não havia quadros superiores. Eventualmente, poderia uma ou outra abadia promover algum tipo de conhecimento, mas o grosso do alfabetismo estava com os judeus e árabes. Alfabetismo, quadros superiores e não só... conhecimento astronómico, médico, geográfico, jurídico, agrícola e literário. Ora, um estado precisa de quadros superiores para viver. Professores universitários, escrivãos, reitores, juízes, médicos, bibliotecários, editores, astrónomos, etc.
O dito rei apercebeu-se de tudo isto a tempo e viu-se obrigado a forçar conversões em massa e a efectuar perdões de conduta constantes. O tiro saiu pela culatra. Se antes um católico não podia casar e reproduzir-se com um judeu ou árabe, a partir daí a miscenização foi total. Afinal, agora todos eram católicos. Se antes não se podia entrar numa judiaria ou numa mouraria, agora passavam a ser lugares como os outros. Já nada disto constituia sacrilégio.
Os Reis Católicos quiseram forçar D. Manuel a expulsar os semitas. Este, sem saber acabou por dar o grande impulso para a enorme arabização da população portuguesa.