«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

segunda-feira, novembro 15, 2004

O Palácio dos Balcões propriamente dito...

Ksar Ash-Sharajibe poderá ser traduzido por Castelo das Varandas. Pelas descrições, no entanto, o local ganhou fama não pelas suas virtudes militares, mas por constituir morada quase idílica de Príncipes e Reis. Daí a mais comum denominação de Palácio dos Balcões.
Silves (Xîlb), cidade que acolhia o dito monumento, tinha sido colonizada por gentes vindas o Iémen, tornando-se a maior cidade da região. Ao contrário dos Berberes que colonizaram o alentejo, os Iemenitas eram cultos, estudiosos e amantes das artes. Segundo Ar-Razí (Físico, pensador, matemático e Geógrafo árabe 865-925) o povo de Silves tinha uma literacia invulgar e um grande amor à literatura. Segundo ele, qualquer operário ou agricultor recitava vastas passagens da poesia árabe e dos clássicos gregos de cor. Este embiente priviligiado resultou na única cidade do ocidente peninsular capaz de fazer frente a Sevilha, no que toca a produção artística.
O registo mais antigo que refere o Ash-Sharajibe é o poema do qual eu extraí um excerto e coloquei no primeiro post deste blog. Aí, Al-Mutamid dirige uma carta em poema a Ibn-Ammar Al-Andalusî, seu amigo e amante de longa data, recordando a magnífica cidade de Silves.
Al-Mutamid Ibn Abbâd havia nascido em Beja em 1040 e viveu toda a sua infância e juventude em Silves, partilhando com Ibn Ammar o Palácio dos Balcões, dedicando-se plenamente à poesia, à música e à retórica. Após ter substituído o seu pai, o implacável e cruel Al-Mudadid, no trono de Sevilha, Al-Mutamid dá a Ibn Ammar a hipótese de escolher qual o cargo político que mais lhe convinha. Este acaba por escolher ser Vali de Silves. Será desta data o excerto poético aqui referido.
Al-Mutaze, filho de Al-Mutamid, deixou-nos contudo uma descrição mais precisa do Palácio: "...Este Palácio de Ash-Sharajibe chegara então ao mais alto da sua magnificiência e esplendor. Era semelhante ao mais ínclito da cidade de Bagdad. Corriam nele os nobres cavalos dos seus átrios e brilhavam nos seus terraços os relâmpagos das coisas que mais se poderia desejar [...]
Além do mais, era esta cidade quase rodeada pelos dois rios como por um colar[...]"
Tradução de José Garcia Domingues
Hoje em dia Silves possui apenas um rio, mas é verdade que existia na época um braço de água que completava o cenário da cidade. Além do mais, o autor refere que a cidade era "quase" rodeada...
Ainda em 1168 esse palácio existia, sabe-mo-lo nós pelo historiador Ibn-Alabar, conhecedor do Al-Andaluz ocidental. Mais tarde, Abulfeda (Abud-Fida, historiador de Damasco) afirma no séc. XIV que é em Silves que existe o Palácio dos Balcões.
Apesar de ser de Al-Mutamid a referência mais antiga ao Ash-Sharajibe, não terá sido ele o seu construtor, pois registos da época ou lendas teriam aparecido, tal era a grandeza do príncipe. Segundo Garcia Domingues, o Palácio terá tido origem num castelo construído em Silves aquando de um levantamento de Ibne Iháia contra Córdoba no séc.X.
Supondo que o Palácio teve uma existência de quatro séculos, e tendo em conta o seu esplendor, haverá concerteza sinais da sua localização hoje em dia, apesar da ira intolerante da conquista católica. Ficaria o Sharajibe no local do castelo? Sabemos que não será longe do rio, já que ele é sempre referido nos prazeres de Al-Mutamid aquando da sua referência ao Ksar.
O castelo de Silves evidencia uma reconstrução portuguesa do séc.XIV, mostrando-nos construções de comunicação com zonas de cultivo e residenciais anexas ao edifício; há cerca de um mês, aliás, foi descoberto um túnel subterrâneo de saída do castelo atulhado de artefactos arqueológicos árabes. Tantos, que a equipa não tem capacidade de os processar a todos, vendo-se obrigada a fazer uma selecção.
Será o actual castelo uma parte do Ash-Sharajibe? A avaliar pelos relatos de opulência, quase posso apostar que não. Inclino-me, no entanto, para que esteja nos metros de entulho e construcções sobrepostas no subterrâneo do actual edifício. Vamos aguardar pelos resultados das fresquíssimas descobertas no local. Quem sabe não estaremos a desenterrar um dos mais notáveis bocados de história do nosso país...