«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

domingo, maio 01, 2005

Zeus e os Átridas

"Cassandra -
[...]Mas não hei-de morrer sem ser vingada pelos deuses. Alguém virá, que punirá a minha morte, filho destinado a matar a mãe, vingador do pai. Exilado, errante, estrangeiro na sua terra, voltará para pôr a última pedra nas desgraças dos seus. Pois pelos deuses foi feito o grande juramento de que o corpo de seu pai, deitado de costas, o trará de volta.
Mas porque choro e me lamento assim? Depois de ver a cidade de Tróia ter a sorte que teve e aqueles que a tomaram acabarem assim por decisão dos deuses, irei... e suportarei a morte. A estes portões eu me dirijo como aos portões do Hades. E o meu único voto é receber um golpe bem dado, de modo a que eu possa fechar estes olhos sem convulsões, jorrando o sangue de uma doce morte.
Corifeu -
Ó mulher muito desgraçada e também muito sábia, fizeste um longo discurso. Mas, se é verdade que conheces a sorte que te espera, porque é que, como uma novilha conduzida por um deus, avanças assim corajosamente para o altar?
Cassandra -
Quando o tempo está maduro, não há modo de escapar, nenhum modo, estrangeiros!"
Ésquilo - Oresteia, Agamémnon, tradução de Manuel de Oliveira Pulquério
Este excerto, para além de condensar quase todas as facetas da visão universal grega, constitui também o ponto central de toda a tragédia que, vindo de antes, termina na trilogia da Oresteia.
Da primeira característica vê-se desde logo como Cassandra é profetisa, contactanto com Lóxias (um dos nomes de Febo Apolo). Perante as previsões de tragédia que ela lê no seu exercício profético, sente que nada pode fazer. A luta constante dos gregos contra um destino que, para eles, já está marcado e é completamente inevitável. É o paradoxo de todas as tragédias gregas: o tentar fugir a um destino que todos conhecem e todos sabem inevitável. Sabendo que nada depende deles e tudo das intrigas do olimpo, ainda assim os heróis fazem um esforço tremendo para modelar a sua vida e os seus sucessos.
Antes de Agamémnon ir para Tróia onde iria chefiar as tropas gregas recebeu um chocante notícia através de Ártemis: para a expedição à Ílion ser bem sucedida, Agamémnon, rei dos reis, terá de imolar a sua filha de 15 anos, Ifigénia, sacrificando-a pelo sucesso militar da operação. Nesta estranhíssima exigência reside uma dúvida insanável: Zeus quereria, de facto, que o pai sacrificasse a filha? Ou Zeus simplesmente queria que Agamémnon não fosse capaz de o fazer, tendo assim uma desculpa para dar a vitória aos Troianos da sagrada Ílion? Aliás, será que Zeus, ao desafiar Agamémnon a derramar sangue do seu sangue quis, com a recusa do chefe militar, suspender a guerra de Tróis e evitar que esta acontecesse?
A verdade é que Agaménon sacrifica a filha, vai para as margens do escamandro como Chefe dos chefes, é transformado em herói e volta como uma "homem acabado", segundo as palavras de Clitemnestra. A sua filha seria vingada pelo seu sangue, nas próprias mão de sua mulher.
No momento da Oresteia que reproduzo no ínicio deste texto Cassandra, "a que embaraça os homens", filha de Príamo e de Hécuba e prisioneira, escrava, despojo de guerra de Agamémnon, prevê, com os dons concedidos por Apolo, a vingança tardia de Orestes, filho de Agamémnon que nunca conheceu o pai e que foi colocado no exílio pela mãe quando aquele estava a pelejar na Ásia menor. Nas suas parcas palavras, em cerca de três linhas, Cassandra consegue expor toda a tragédia que trespassa a trilogia.
Ésquilo consegue traduzir todo o espírito universal clássico grego no excerto em cima colocado. Com uma violência atroz, aquelas três secções de diálogo põem a nu todo um povo e toda uma cultura. Os seus medos, as suas crenças, a sua honra, mesmo os seus problemas mais quotidianos. Sem ter a elegância de um Eurípides, Ésquilo é cru e impressionante.

1 Comments:

Blogger la machina said...

Pus um ovo!

1:45 da tarde  

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