«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

sexta-feira, maio 13, 2005

Coitados...

Teve lugar em Paris um grande encontro da cultura europeia. O Governo escolheu um artista plástico a sério para nos representar; escolheu um verdadeiro escritor; escolheu um bom actor e corógrafo, entre outros bons artistas... mas... quem é que escolheu para a música? quem? quem? Terá sido um intérprete de referência como M.J.Pires ou Gerardo Ribeiro? Terá sido um compositor de sucesso como Emanuel Nunes? Terá sido um director de uma qualquer escola superior de música? Não... Escolheu a Katia Guerreiro que, ao que parece, canta o fado. Ou seja, o conceito português de música erudita e cultura musical fica assim pintado. É ela que nos representa musicalmente...
O franceses pensarão: "Que belos arquitectos que há em Portugal! Que notáveis escritores! Agora a música, coitados... , para enviarem música popular não devem ter lá música a sério."

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parece-me que a música é a arte mais "aprendida" e mais abstracta. Isso justifica o desnível que um país pouco culto exibirá nas suas representações diplomático-artísticas. A escolaridade obrigatória implica que toda a gente aprenda a ler, escrever e contar. O mesmo não se passa com a música.

As "músicas populares" nunca precisaram que os estado as defendesse pois a sua força emana directamente do sofrimento dos povos. Talvez por serem, em primeiro lugar, esconjuros para espantar o medo, como as rezas a Santa Bárbara.

Mas vendo bem as coisas talvez a representação seja mais nivelada do que se pensa. Por baixo é claro.

Nós portugueses somos gente pouco rigorosa mas muito dada a afectos. É uma constante da nossa vida cultural esta forma de promoção do "grupo de amigos". Não é por mal. É puro instinto gregário. Já era assim no Império Romano, onde a única maneira de sobreviver numa localidade muito distante da de origem dependia da existência de um fiador. Era necessário pois pertencer a uma "clientela".

Também hoje a competência para trabalhar em grupo e estabelecer contactos são muito valorizadas no meio empresarial.

2:01 da manhã  
Blogger Mário Azevedo said...

João Delgado,
Desculpe-me a franqueza, mas acho que tem um problema com a música. Essa ideia que tem em dividir a música entre erudita e não erudita é na minha opinião completamente errada (veja que nada disto acontece em mais nenhuma arte). Para si, a música a sério parece ser apenas aquela que é feita ou tocada por académicos, o resto é divertimento, curiosidades, coisas de pouco valor. Pergunto-lhe, a Amália não é música a sério? E o Zeca Afonso? O Carlos Paredes? O Sérgio Godinho? O Fausto? O Camané? E já agora, o rock também não é música a sério? E o Jazz? A música Soul? O Folk? E toda a história de música popular dos últimos 50 anos não pertence à música séria? Os Beatles, o Bob Dylan, os Pink Floyd, os Velvet Undergound, o Nick Drake, o Leonard Cohen, os Joy Division, os Sonic Youth, o Nick Cave não fazem música a sério? E já agora também, não serão todos estes músicos e grupos eruditos? O que define erudição?

1:26 da tarde  
Blogger JD said...

caro Mário Azevedo:

Essa divisão acontece e deve acontecer em todas as artes. Ou acha que um filme de Hollywood, vamos supor Spielberg, é da mesma estirpe que o "Inquietude" de Manoel de Oliveira? Coloca, por acaso, sob o mesmo saco de dança os bailarinos do big show sic e da companhia nacional de bailado? Acha que na telenovela portuguesa da TVI os actores versam a mesma arte que os da cornucópia?...
E a Amália, será o Mozart de hoje em dia? Há que saber separar bem as coisas... eu gosto de Amália até gosto de fado mas... isso é arte? É cultura? Fará algum sentido no actual panorama estético ocidental, europeu, mundial? O panorama estético não são os festivais de World Music.
Falamos de outras coisas... outra ordem de valores...
O Rock, por exemplo, poderá ser apelidado se música; mas é música com o objectivo único do entretenimento. Tal como um filme de Hollywood e o espectáculo do La Feria. A música ou cinema ou teatro como artes têm objectivos bem distinto desse.

Para a distinção, é necessário perceber se existe uma relação ou não entre algo abstracto e algo concreto na obra, se existem referências abstractas a entes exteriores à obra que sejam passíveis de diversas intepretações por parte do público, se o artista constrói a obra num contexto estético aceitando-o, rejeitando-o, sofisticando-o, pondo-o em causa como um todo ou em separado, etc. Se existe espaço para a intepretação da realidade exposta na obra, se existem vertentes várias no sujeito da obra ou apenas um ponto de vista, se as várias intepretações da obra evoluem durante o decorrer do tempo e o passar de várias estéticas, etc, etc, etc. Uma obra de arte não serve para descansar a cabeça e relaxar; serve para pensar, para nos obrigar a olhar o mundo de forma diferente.

Normalmente, uma boa obra de arte resiste como representante intemporal de uma época, de uma estética, por vezes 500, 1000, 5000 anos, ou o tempo que demorar o mundo a acabar. Uma boa canção, mesmo que seja a Amália dura no máximo cem anos. Um filme de acção dos anos 90, neste momento não passa de um momento kitsch. A memória do povo urbano dura, no máximo, 20 anos.

Daqui a 200 anos ninguém saberá quem era o Sérgio Godinho ou o Léo Ferré, mas posso-lhe quase garantir que se ouvirá com constância música de Emanuel Nunes ou Ligeti.

11:50 da tarde  
Blogger Mário Azevedo said...

Não concordo nada com o que disse. Vamos a um simples exemplo. Afirmou que até gosta da Amália. Poderá dizer o mesmo de La Feria, ou do Big Show Sic? Não me venha dizer que considera que a Amália está ao mesmo nível de João Baião. Sinceramente, acho que tem de fazer aí uma reformulação qualquer das suas teorias.
(Já agora, Amália poderá não ser Mozart, mas quem é que o será? Creio que assim não encontrará muitos exemplos de arte na música contemporânea.)
Mas o que me desagrada na sua posição é a ideia de que toda a música popular é puro entretenimento. Puro entretenimento são os Bon Jovi, é a Britney Spears. Estes sim podem ser comparados a um filme de acção de Hollywood. Mas na música popular não estão todos ao mesmo nível. A música de Nick Drake ou de David Sylvian (para dar dois exemplos distantes no tempo) não é a música da Tina Turner. Existem diferenças abissais de qualidade, que é obviamente sustentada (para além da capacidade) por uma postura diferente em relação à arte. Desculpe-me, mas estes músicos definitivamente não fazem canções para descansar a cabeça e relaxar, e essa sua afirmação demonstra algum desconhecimento (o que é perfeitamente natural já que não gosta). Além disso, a música popular não são só canções (aliás há milhares de bandas e músicos que nunca fizeram uma canção). Se ouvir, por exemplo, alguns dos primeiros álbuns dos Pink Floyd, de certeza que não vai encontrar lá entretenimento. O mesmo se poderá dizer se ouvir, só para referir um exemplo mais recente, os Current 93.
Quanto ao que vai ser ouvido daqui a 500 anos, sinceramente, eu não estaria tão seguro. Olhe que de certeza que os Beatles, a Amália ou o Caetano Veloso vão continuar a ser ouvidos por muitos séculos. E eu estou à vontade, destes três, apenas gosto muito da Amália.

11:36 da manhã  
Blogger JD said...

Exemplo:

Gosto mais do Marco Paulo que da Mariza. Gosto mais do Emanuel que do Rodrigo Leão. Gosto mais de La Feria do que de Nick Drake e gosto mais de Trio Odemira que de Pink Floyd.

Só que o Mário não me conseguirá explicar porque é que os Pink Floyd são melhores que o Trio Odemira com argumentos puramente musicais e sérios. Serão sempre variáveis emocionais e relativas.

É essa uma das diferença entre arte erudita e não erudita. Na arte erudita os gostos discutem-se porque não são relativos. Na popular os gostos não se discutem porque são relativos.

3:37 da tarde  
Blogger JD said...

Na música erudita vivemos de axiomas fundamentais, na música "popular" vive-se do vazio.

Quando digo popular não quero abranger a música tradicional de raízes regionais muito fundas no tempo. Quero significar objectos de entertenimento e venda comercial de produtos sonoros tais como Pink Floyd, Katia Guerreiro, Luis Represas ou Queen.

Ou acha que os Pink Floys estão mesmo preocupados com o contexto artístico em que criam a obra deles?... Estão preocupados em ganhar dinheiro.

Eu também tinha uma ideia romântica dessa gente até começar a relacionar-me com eles profissionalmente (não os Pink Floyd, mas já toquei com muitos outros da música ligeira). Nessa altura vi bem o que estava em causa, vi bem a falta total de referências, vi bem o vazio total do produto que eles vendem.

3:42 da tarde  
Blogger Mário Azevedo said...

Caro João Delgado:
Com toda simpatia e apreço, acho que tem um excelente blogue. Gostava portanto que não levasse a mal o que lhe vou dizer. Penso sinceramente que tem um preconceito muito grande em relação à muito feita por não académicos. Diz coisas tão incríveis que fico sem saber por onde começar. Contudo, como não tenho tempo agora (vou assistir a um concerto de Lydia Lunch), não lhe vou responder já. Prometo-lhe, se é que isso lhe interessa (alguém vai ter de parar, e eu não consigo), responder o mais cedo possível. Entretanto, fique-me só com esta reflexão. Como é que compreende que tanta gente que é exigente nos gostos literários e artísticos gosta de música popular (eu não a vejo em oposição à música erudita, pois toda a arte é erudita)? De certeza que há-de ter amigos com este perfil.

9:05 da tarde  
Blogger JD said...

Não acredito. Escrevi um comentário enorme e deu erro.

Não queria desistir desta controvérsia, que aliás me apraz bastante, mas fiquei um pouco abatido com esta falha informática.

Tanto trabalho...

12:47 da manhã  
Blogger Mário Azevedo said...

Também não queria desistir desta discussão, mas infelizmente ando sem tempo para nada (já não me basta escrevinhar qualquer coisa em cinco, dez minutos). Prometo-lhe contudo responder quando arranjar uma folga.
(No último comentário escrevi: «à muito feita por não académicos». Obviamente queria dizer «à música feita».)

9:25 da manhã  

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