«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

quinta-feira, novembro 25, 2004

Aviltante

João Domingos Bomtempo é um dos bons compositores portugueses. Viveu entre os períodos clássico e romântico e, que se saiba, escreveu 7 sinfonias. Relembro que não estamos na Alemanha, onde há dezenas de compositores geniais, com uma produção de centenas de sinfonias. Vivemos em Portugal, onde a criação musical de excelência não comporta mais de 10 a 15 compositores em toda a história, com uma produção sinfónica de 8 a 10 sinfonias, o que dá uma importância acrescida a cada unidade.
Ora, em 1901, eram ainda conhecidas as sete sinfonias de Bomtempo. Estavam depositadas no Conservatório Nacional de Lisboa. Hoje em dia só se conhecem duas. Cinco perderam-se no decorrer do séc XX (não no séc. XIV, ou XV. No séc XX!); ainda niguém se deu ao trabalho de procurar as outras. Equivale isto a dizer que, por exemplo, conheceríamos 30% da obra literária de Eça de Queirós e que os restantes 70% estariam perdidos. Mesmo sabendo que a obra conhecida é de grande valor literário, ninguém se preocuparia em investigar o resto. Seria um escândalo, certo? Pois é o que se trata com Bomtempo, Marcos Portugal, Vianna da Motta, etc...
Não gostaria, no entanto, de dizer que a literatura é beneficiada em relação à composição musical. Apenas alguma literatura o é. Vemos Eça de Queirós a ser reeditado vezes sem conta, não se percebe muito bem porquê... talvez para dar trabalho a Maria Filomena Mónica... Entretanto, para encontrar um livro específico de Camilo ou Aquilino temos de penar por todas as livrarias do país!
Poderíamos falar ainda de uma obra de importância vital para a história portuguesa: "Portugaliae Monumenta Historica", reunião de textos de valor incalculável, desde o séc.VIII até ao séc. XVI, realizada por Alexandre Herculano. A última edição foi em 1918! Talvez a obra mais importante para a análise da nossa história...
Srs. da Gulbenkian e da Imprensa Nacional: Reedite-se esta obra, antes que tenha o mesmo destino que as sinfonias de Bomtempo. Este desprezo pelo património intelectual avilta, ultraja e envergonha.
Herculano disse um dia sobre Portugal "Isto dá-me vontade de morrer!". Imagine-se o que diria agora...