«مَا تَرَكْتُ بَعْدِي فِتْنَةً أَضَرَّ عَلَى الرِّجَالِ مِنَ النِّسَاء»

terça-feira, novembro 30, 2004

Já está

Al-hamdu lillah.

Euthynai para aquela gente que lá esteve estes quatro meses.

O momento presente

"Os nossos dias fogem tão rápidos como água do rio
ou vento do deserto.
Entretanto, dois dias me deixam indiferente:
o que passou ontem e o dia que virá amanhã."
Omae Khayyam

Ghandi

Vale a pena ir ao Briteiros ver este texto.

O Governo

O maior problema num governo não é a eventual má política de gestão. Poderemos concordar ou não com as suas proposições ideológicas ou com a sua carta de propostas eleitorais. O que pior abala os povos é a arbitrariedade. Quando há uma lista de direitos e deveres, por mais restritiva, tirânica ou severa que seja, há certezas. Se fizer isto, acontece aquilo, se não fizer x, acontece y.
Na Grécia antiga, até à tirania de Pisístrato, o regime tirânico não era considerado negativo em si mesmo. A palavra "tirania", aliás, não tinha uma conotação negativa. Mesmo com a severidade desenfreada de Dracon, nunca a tirania foi considerada uma constituição pior que as outras, à partida.
Apenas no regime de Pisístrato a dita palavra obteve o significado negativo à priori que tem hoje. E porquê Pisístrato e não o severíssimo Dracon anos antes? Dracon era um sujeito com um conceito de justiça muito sui generis. Produziu um código de leis pesadíssimo para quem cumpria as mínimas infracções, penas exageradas para delitos comuns, regimes fiscais muitos duros, perpetuando-se no governo unipessoal, não cedendo poder político a órgãos plurais. Quando lhe perguntaram se prever a pena de morte para o ladrão e o mesmo para o homicida não iria equiparar os dois crimes em termos de gravidade, ele terá respondido "A pena de morte é a sançaõ correcta para o roubo. Para o homicídio teria de ser uma mais pesada, caso existisse..." Seguia, no entanto, escrupolosamente a lei que criara. Respeitava as decisões dos tribunais que, sendo independentes, aplicavam as leis de Dracon, como aplicariam outras quaisquer. Todos sabiam com o que contar e o tirano nunca escondeu o que pretendia implementar antes de ser aclamado Arconte. Foi, por assim dizer, uma campanha limpa e honesta.
Pisístrato, por outro lado, não seguiu nunca a lei que criara, fosse ela benéfica ou não, sempre governou e condenou de uma forma arbitrária, mentindo ao povo e aos proprietários. Ludibriou, aliás, tudo e todos para chegar ao poder, numa famosa cena em que se fingiu ferido por consequência de um ataque da facção política rival. Fez uma campanha de angariação de apoios que em nada correspondeu ao que mais tarde veio a pôr em prática no poder.
Temos hoje a liberdade de fazer comparações com o presente...

domingo, novembro 28, 2004

Legislador

Sólon foi mal-amado por todos (ricos e pobres, defensores da oligarquia, da democracia e da tirania) por não ter agradado e nenhum. Foi esta, segundo o próprio, a sua grande vitória.
"Ao povo dei situação que lhe baste,
sem lhe tirar nem lhe arrebatar a honra.
Aos que tinham poder e eram considerados pelas suas riquezas,
a esses prescrevi que não sofressem nenhum desacato;
um forte escudo lancei sobre ambos.
Não consenti que nenhum deles vencesse injustamente."
- - - -
"Vãs esperanças comigo acalentavam; agora, comigo irados,
olhares de soslaio me lançam todos, como a um inimigo."
Sólon

Euthynai

Segundo Sólon, legislador/poeta do séc. VII/VI a.c., existia na Grécia uma regra política denominada euthynai, "prestação de contas". Os arcontes, após o seu trabalho de responsabilidade política, aquando da cessação de funções, eram obrigados a prestar contas perante um tribunal e, caso se apurasse incompetência, arbitrariedade ou favorecimento algum, podendo ter de repor o dinheiro em que lesaram a Cidade e ser condenados por tais acções.
Façamos agora um exercício de quantos "Arcontes" municipais de hoje em dia teriam as suas fortunas pessoais devolvidas aos contribuintes...

Personalidades Múltiplas

Sobre D. Pedro (citado em Fernão Lopes num post abaixo) é interessante ver o que diz António Sérgio:
"D. Pedro, a ajuizar pelas descrições de Fernão Lopes, o grande cronista, foi uma espécie de semilouco, plebeu de modos, galhofeiro, violentíssimo na cólera, com a mania da justiça, ou melhor, da punição, e preciosos dotes de administrador. Segundo o testemunho daquele escritor, - diziam as gentes que tais dez anos nunca houve em Portugal como estes que reinara El-Rei D. Pedro - ".
António Sérgio - Breve Intepretação da História de Portugal
Não deixa de ser curioso como nesta fase da dinastia os nosso reis tinham, não raro, múltiplas personalidades. D. Pedro era semilouco e libertino mas, por outro lado, excelente administrador das coisas do reino e das sensibilidades sociais. D. Fernando era frouxo nas relações, amedrontado, fraco e subserviente a Leonor Teles, fidalgote, marialva e justiceiro arbitrário tendo sido, no entanto, um excelente legislador, um dos melhores reis de Portugal, enfim, um visionário em termos económicos. E outros exemplos há... D. Sancho II (estranho caso a analisar mais tarde), D. Dinis e o próprio D. Afonso Henriques.
Poderia ser uma patologia hereditária? Seria do sangue de Borgonha? Constituiria um estudo interessante.
Bom, a verdade é que isto já não começou nada bem.

Jesus do Oriente

Esta é mais uma entre muitas teorias que se formulam para explicar uma série de factos de uma incrível coincidência e consequência. Apesar das fragilidades, e tendo em conta a dimensão das coincidências, seria de algum valor fazer um estudo sério de fontes e dados. Assim a especulação desapareceria.
Alguns (não é uma seita religiosa) têm a convicção histórica de que Jesus Cristo foi discípulo Budista entre os 13 e os 30 anos, tendo sobrevivido depois à crucificação e voltado para a Índia, onde está agora sepultado. Esta teoria pretende explicar o desaparecimento da figura de Cristo nos evangelhos naquele período da sua vida.
Antes de mais, os evangelhos de Mateus e Lucas seguem obviamente o documento de Marcos. No entanto, têm informação extra que não vinha em Marcos, que nos faz supor ter havido outra fonte documental. Pelos indícios de cortes e acrescentos posteriores aos evangelhos (hoje provados. Por exemplo a parte em que diz que Jesus subiu aos céus, etc), podemos antever episódios que, por uma razão ou outra, não interessaram à doutrina. Por outro lado é citado nos evangelhos com toda a naturalidade que Cristo, após a crucificação, voltou ao convívio com algumas pessoas (não apenas os apóstolos) e apenas se refere que, depois, ele foi para uma terra distante. Sobreviver à crucificação era comum na época, a avaliar pelos relatos de que dispomos. Ver aqui e aqui.
Registos Budas indicam a chegada de um jovem de 13 anos, vindo do ocidente, que permaneceu a estudar a mística budista até aos seus 29 anos. Voltou então à sua terra, tendo regressado à Índia 4 anos depois, onde viveu durante longo tempo e morreu já velho, tendo sido sepultado aqui. Existe ainda, junto ao túmulo, uma representação de dois pés macerados por pregos. A datação desta escultura é, no entanto, polémica.
Nos argumentos finais de quem acredita em tudo isto, vem a semelhança entre os milagres de Cristo e de Siddharta e os estudos genéticos das comunidades "filhas de Israel" na Índia.
Ficam com estes links. Pareceu-me uma ideia curiosa e passível de interessar a mais gente. Apenas por isso fiz este post.


sábado, novembro 27, 2004

Ibn Al-Labbana

"
Na partida de Al-Mutamid e sua família para o desterro

Tudo poderei esquecer
menos aquela madrugada
junto ao Guadalquivir,
quando, nas naves, como mortos
nas fossas, eles se encontravam.

Nas duas margens
se aglomeravam as gentes,
vendo como vogavam
as sabor das águas do rio
aquelas bondosas pessoas.

Tombavam os véus, porque as virgens
não cuidavam de se cobrirem
e os rostos dilaceravam
como, de outras vezes, aos mantos.

Chegou o momento:
que túmulo de adeuses
e, à porfia, que clamor
lançavam os jovens e as donzelas!

Acompanhados de soluços
partiram os navios,
como preguiçosa caravana
pela canção do cameleiro estimulada.

Ai, quantas lágrimas à água caíam!
Ai, quantos corações partidos levavam
aquelas galeras insensíveis!"

Ibn Al-Labbana - Sevilha, séx.XII

Mais lá para a noite...

Peço desde já desculpa a quem me visita pela baixa frequência de posts que tenho colocado nos últimos dias. Gostava de informar, no entanto, que hoje vou retomar a antiga cadência.

Assim, para a noite, fica prometido um texto sobre a teoria do exílio de Jesus na Índia.

sexta-feira, novembro 26, 2004

Tentação e Vertigem

Para quem tem um blog, por vezes a vertigem da opinião é incontrolável. Mesmo que seja um espaço com temas bem definidos como é o caso do meu, o facto de ter à disposição tal meio de expressão, livre de edição superior, leva-nos a tentar impingir opiniões acerca de factos actuais (políticos ou não) que nada têm de relação com o que aqui se propõe.
Se por vezes isso me acontecer (e tem acontecido) peço antecipadas desculpas. Mas não é possível resistir diariamente a uma tentação destas...

quinta-feira, novembro 25, 2004

!

Aviltante

João Domingos Bomtempo é um dos bons compositores portugueses. Viveu entre os períodos clássico e romântico e, que se saiba, escreveu 7 sinfonias. Relembro que não estamos na Alemanha, onde há dezenas de compositores geniais, com uma produção de centenas de sinfonias. Vivemos em Portugal, onde a criação musical de excelência não comporta mais de 10 a 15 compositores em toda a história, com uma produção sinfónica de 8 a 10 sinfonias, o que dá uma importância acrescida a cada unidade.
Ora, em 1901, eram ainda conhecidas as sete sinfonias de Bomtempo. Estavam depositadas no Conservatório Nacional de Lisboa. Hoje em dia só se conhecem duas. Cinco perderam-se no decorrer do séc XX (não no séc. XIV, ou XV. No séc XX!); ainda niguém se deu ao trabalho de procurar as outras. Equivale isto a dizer que, por exemplo, conheceríamos 30% da obra literária de Eça de Queirós e que os restantes 70% estariam perdidos. Mesmo sabendo que a obra conhecida é de grande valor literário, ninguém se preocuparia em investigar o resto. Seria um escândalo, certo? Pois é o que se trata com Bomtempo, Marcos Portugal, Vianna da Motta, etc...
Não gostaria, no entanto, de dizer que a literatura é beneficiada em relação à composição musical. Apenas alguma literatura o é. Vemos Eça de Queirós a ser reeditado vezes sem conta, não se percebe muito bem porquê... talvez para dar trabalho a Maria Filomena Mónica... Entretanto, para encontrar um livro específico de Camilo ou Aquilino temos de penar por todas as livrarias do país!
Poderíamos falar ainda de uma obra de importância vital para a história portuguesa: "Portugaliae Monumenta Historica", reunião de textos de valor incalculável, desde o séc.VIII até ao séc. XVI, realizada por Alexandre Herculano. A última edição foi em 1918! Talvez a obra mais importante para a análise da nossa história...
Srs. da Gulbenkian e da Imprensa Nacional: Reedite-se esta obra, antes que tenha o mesmo destino que as sinfonias de Bomtempo. Este desprezo pelo património intelectual avilta, ultraja e envergonha.
Herculano disse um dia sobre Portugal "Isto dá-me vontade de morrer!". Imagine-se o que diria agora...

quarta-feira, novembro 24, 2004

Demócrito

"O Sábio pode andar por toda a terra; pois a pátria de uma alma boa é o mundo inteiro".

Oasis

Posted by Hello

Ainda a Educação

Aristóteles, o grande mestre Estagirita, dizia que "A excessiva especialização não é própria do homem de bem."

Demócrito

Demócrito, sábio grego do séc.V antes de Cristo explicava assim a música:

"A música é recente. Não a distinguiu a necessidade, mas surgiu do excesso já formado.", inaugurando assim a teoria da inutilidade da arte.

Educação Sofística

"
- Os outros sobrecarregam os jovens. Quando estes tentam fugir de um tecnicismo excessivo, os sofistas forçam-nos a atirar-se a ele, ensinando-lhes o cálculo, a astronomia, a geometria e a música - e, ao tempo que dizia isto, lançava um olhar a Hípias - ao passo que quem vier ter comigo não estudará mais nada senão o assunto que o trouxe cá. O meu ensino tem por objecto a prudência no que respeita aos assuntos próprios, de modo que a administração da casa seja o melhor possível, e, no que respeita aos da cidade, de maneira a dirigi-los na perfeição em actos e palavras.
- Então, disse eu - estarei a seguir bem as tuas palavras? Segundo me parece referes-te a arte de governar e prometes formar bons cidadãos ?
- É isso mesmo, Sócrates - disse ele - é isso que eu me proponho a fazer."
Platão, "Protágoras", por Maria Helena da Rocha Pereira.

segunda-feira, novembro 22, 2004

Os Bárbaros

Quem são os bárbaros?

Logística nas areias

Para quem goste do sahara, se interesse por viagens no deserto, sonhe lá ir, ou ame a áfrica ocidental, fica aqui um magnífico site de utilidades. No fórum anexo ao site são actualizadas diariamente notícias práticas, estradas cortadas ou novamente transitáveis, pista fechadas devido à época das chuvas, expedições, novos locais de arte rupestre, rotas de ladrões e toda uma panóplia de informações prestadas em tempo real por quem está no terreno.

Tolerância religiosa

Existem centenas de igrejas, catedrais e registos católicos do tempo da ocupação muçulmana da península, mas não sobrou qualquer mesquita ou bibloteca árabe. Dá que pensar.

Tanta guerra, tanto engano...

Não percebo a relação...

"Putin decide desenvolvimento de armamento nuclear com vista à luta contra o terrorismo."

Ainda as Rubayat

"Outrora, quando frequentava as mesquitas,
não rezava nenhuma prece, mas vinha de lá rico de esperanças.
Agora, ainda vou sentar-me dentro das mesquitas,
onde a sombra é propícia ao sono."

Omar Khayyam

domingo, novembro 21, 2004

De regresso à civilização da beleza

"Quando sopra o zéfiro não me inquiras
sobre a minha melancolia dolorosa,
tão-pouco fales desta triste paixão.
Deixa apenas arrulhar a pomba,
não te inquietes com o meu coração
e seus sinais de morte angustiosa."

Ibn Sâlih Ash-Shantamarí (Poeta do séc.XII, natural de Santa Maria, ou seja, Faro)

Comentário

Apesar de não estar directamente relacionado com a temática deste site, afixo em baixo um comentário que deixei há umas semanas no barnabé. Limitei-me a fazer copy/paste, pelo que terá as vicissitudes e simplismos de um mero comentário de blog. Trouxe o texto a lume porque o assunto surgiu aqui; não pretendo no entanto prosseguir neste tipo de análise. Os comentários que aparecerem a este post não terão por isso resposta, pelo menos no Palácio dos Balcões. Terei, no entanto, todo o gosto em prosseguir o interessante debate via email com quem entender tecer considerações.
- A diferença entre esquerda e direita -
Estava assistir a um Prós e Contras subordinado ao tema "A diferença entre esquerda e direita" e dei-me conta que nenhum dos convidados desenvolveu qualquer teoria sobre o assunto, limitando-se a focar a posição da direita/esquerda sobre factos concretos, mostrando com eram diferentes e como a sua posição era mais sustentável. Como a jornalista encarregada da moderação do debate em nada ajuda, naquelas suas entediantes demonstrações de conhecimento superficial de todos os dossiers, achei que não passou de outro debate político e de aproveitamento de tempo de antena pelos senhores presentes.
Daí, aqui vai a minha contribuição: O que impulsiona claramente o movimento de esquerda é o conceito de que todo o homem tem um lote mínimo de direitos, independentemete do local onde nasceu, da sua capacidade de trabalho, do seu QI, da sua capacidade de aprendizagem ou da sua capacidade ou vontade de gerar riqueza. Ou seja, não se deve condenar qualquer cidadão à pobreza ou ao salário mínimo, pelo siples facto de ele ter menos QI que outro, e como tal não ter conseguido acabar o 9º ano. (quanto a este assunto vale a pena ler Peter Singer "Ética Prática").
A direita assenta no conceito de que cada cidadão vale por si, trabalha aquilo que pode e tem aquilo que merece. Se conseguir singrar na vida através dos seus meios, muito bem, se não, não terá outra hipótese. Se alguém nascer burro, lixa-se (e, não sendo hipócritas, todos sabemos que uns nascem mais burros que outros). Conceito também ele bastante coerente e com boas hipóteses de passar no filtro do pensamento crítico-filosófico dos neo-utilitaristas.
As consequências destes dois conceitos: Na esquerda, este pensamento levou à criação do estado moderno como o vemos hoje em dia. Só este ponto de vista justifica o pagamento de impostos, de forma a que a redestribuição faça com que mesmo aqueles sem capacidades tenham uma base de vida que lhes dê um mínimo de razoável felicidade. Esse dinheiro será utilizado para que ninguém tenha que pagar hospitais, escolas, pelo menos uma TV e uma rádio públicas, universidades, serviço de concertos, teatros, cinema e livros, estradas, auto-estradas, e todo o tipo de investimentos que beneficie todos os cidadãos de igual forma, bem como todo o investimento que sirva para o desenvolvimento geral do país (por exemplo, capitais de distrito ligadas por auto-estradas). Esses bens são pagos através dos impostos e, por definição, não terão de ser pagos individualmente uma segunda vez. Principal problema da esquerda dita moderna: não aceita que para o estado evoluir como tal, para se aumentar o produto, para que as condições melhorem para todos, é necessário subir os impostos e não descê-los. Pelo menos para ser coerente com os seus pressupostos.
O pensamento de direita deixa sem qualquer justificação o actual Estado cobrador de impostos. Seguindo à letra as leis do livre mercado, ele próprio se regulará. Os incapazes serão uma margem e sub-produto inevitável do sistema. No fundo, Darwin. Assim sim, o utilizador pagador entra em força. Ir ao hospital? Paga. Se não tem capacidade para gerar rendimentos para pagar uma operação, então nem vale a pena ir lá tentar. Quer ir de Coimbra a Viseu? Paga a autoestrada. Se não tem condições para a pagar, então nem vale a pena tentar, porque não há alternativa. Qual o problema da direira actualmente? Não é coerente. Defende este modelo, mas não o assume totalmente perante os eleitores. Ninguém pagaria impostos. Cada um por si. É obvio que este cenário assusta, mas é o único viável e coerente com a teoria política neo-conservadora. Esta é a sua falta de coragem.
Sou de esquerda e, de uma forma ponderada, julgo ser esta a principal diferença. A visão do homem como ser a proteger e a desenvolver seja ele que exemplar for, ou, antagonicamente, a visão do homem como ser de luta, de competição, de selecção natural. A verdade é que já todos os cientistas bio-tecnológicos chegaram à conclusão que a selecção natural darwiniana, pura e simplesmente não se pode aplicar ao homem. Somos nós a primeira espécie que conseguiu fugir dessa fatalidade. A esquerda quer que continuemos a ser.

Comentário ao Comentário II (O mercado)

Ao seguinte comentário que figurava na caixa (a que fiz simplesmente copy/paste) gostaria de manifestar algumas considerações.
"
Anonymous said...
Ao contrário do que a palhar marxista afirma, o mercado não nos remete para um darwnismo económico onde vigora a lei do mais forte.O mercado é em si uma ideia e uma contrucção política que precisa de uma autoridade pública para o legitimar e fazer funcionar.O próprio Adam Smith sempre aceitou e defendeu um estado forte e eficaz para que a ideia de mercado fosse ixequível.Ao contrário do que a retórico generalizada afirma, uma sociedade de economia liberal exprime um pensamento e uma ideia politica que proclama à autonomia das pessoas e a defesa da sua realização pessoal.Não se trata da ausência de política. Politicamente falando, são tão legitimas as opções de matriz liberal como a escolha por um estado socialista. O antagonismo mercado vs estado é, por isso, completamente falso e assenta na falsa ideia de que o estado é, obrigatóriamente, uma entidade redistribucionista e paternalista.Mas que fazer? Trezentos anos após a revolução Francesa e ainda se prepetuam os maiores tiques jacobinos.
9:07 PM "
1 - A economia humana sempre foi objecto de estudo apurado, não só nos Séc.XVIII, XIX, XX.
2 - O interesse de nos basearmos em textos mais antigos é a forma clara como se vê a resolução dos mesmos problemas em contextos sociais totalmente diferentes. Conhecer toda a experiência, e não só alguma, traz vantagens...
3 - A utopia do mercado livre com consciência de estado apresenta-se tão inalcançavel como o povo unido numa ditadura do proletariado.
4 - O mercado livre, infelizmente, não se coaduna com o estado providência, por mais que Adam Smith tenha teorizado sobre o assunto. A célula essencial do mercado liberal é a empresa/unidade de produção, seja ela realmente produtiva, ou simplesmente especulativa. Ora, estas entidades têm todo o direito de lutar pelo lucro o mais que podem e, se elas consituem o tecido essencial da sociedade, facilmente conseguem alterar a lei fiscal em seu proveito (o que tem acontecido escandalosamente nos últimos 10 anos).
5 - Nos casos de actividade especulativa, por mais que nos convençam do contrário, o dinheiro não nasce por geração espontânea e logo, se um sujeito ganha x, outro perdeu. Se um país ganha y o outro perdeu. Se um hemisfério especula e ganha z, o outro perdeu.
6 - O mercado livre assenta na valorização das qualidades de cada um, e na sua capacidade de produzir, pensar ou gerar riqueza. O estado, por outro lado, pressupõe que há gente com direito a ser ignorante e incapaz de gerir seja o que for. Como garantir a vida a um incapaz, a um idiota num mercado liberal? Se ele não se enquadrar em nenhuma função, quem o vai manter? Não havendo segurança social, quem toma conta das margens? E se houver segurança social, achará que as empresas não se deslocalizam para onde não a tenham que pagar?
7 - Porque é que Adam Smith não perdeu a validade e os ideais de Rousseau perderam? Rousseau, Marx ou Smith (se assim quer) não perdem a validade. São pilares fundamentais do pensamento filosófico, económico e social que poderão servir de axiomas e pontos de partida para desenvolvimentos e debates, mesmo que estes quase descaracterizem as teorias originais.
8 - Podemos analisar hoje em dia os acontecimentos económicos desde os anos 30 e ver que o mercado ultra-liberal e especulativo apenas deu maus resultados. Não foi uma boa experiência. Experimentem implementar o mercado livre num país, sem permitir, no entanto, que este vá explorar mão de obra escrava a uma qualquer nação do terceiro mundo...
9 - Coloco em próximo post um texto que recentemente introduzi em comentário no barnabé e que explica o meu ponto de vista.

Poesia e Educação

" - Em meu entender, Sócrates - disse ele - a parte principal da educação de um homem é ser entendido em poesia. E isso consiste em ser capaz de compreender as palavras dos poetas, o que é bem feito e o que não é, saber distinguir e dar as suas razões a quem o interrogar. "

Platão - "Protágoras"

sábado, novembro 20, 2004

Bélgica

Um interessante artigo que fui roubar ao Briteiros.


Ibn Sara

"Os viajantes da noite murmuram o teu nome
e as areias do deserto derramam sobre quem te pisa
o perfume do almíscar.
E da formosura da invocação sabemos da beleza do invocado
como pelo verdor das margens se pressente o rio".

Ibn Sara Ash-Shantarini, Séc. XI/XII

Como Santarém tem a agradecer ao deserto...

A Independência

Ibn Sara é talvez o meu poeta preferido do Al-Andaluz. Disse um dia que "para um homem livre, ficar em terra de aviltamento é mostrar, por minha fé, uma bem grande impotência. Viaja! E se não encontrares homens generosos, então vai de homem vil em homem vil."
Homem corajoso, que se desprende se está por interesse, mesmo que o dano seja pequeno.
Ah! E, pelos vistos, disse ainda que "a ignorância atrai a riqueza como o íman atrai o ferro".
Com a devida vénia a Adalberto Alves, onde fui buscar estas duas pérolas...

Poder do Estado vs Poder do Mercado

Mais uma vez o bom senso expresso na "Constituição dos Atenienses".

"Sorteiam-se dez inspectores de mercado cujas funções são [...] supervisionar todos os artigos postos à venda a assegurar que não haja misturas nem falsificações; zelar para que os tocadores não sejam contratados por mais de duas dracmas, caso várias pessoas disputem os seus serviços tira-se à sorte, mantendo assim o preço justo; garantir que o grão é comercializado a preço justo no mercado, bem como proporcionalmente a farinha e o pão[...]"
Convém referir que a "Consituição dos Atenienses" não é um tratado político da autoria de Aristóteles. De facto, trata-se apenas de uma recolha histórica das constituições que vigoraram em Atenas e uma análise comparativa da que estava em vigor no tempo do Estagirita. Este processo foi aliás realizado no Likeus (academia de Aristóteles) para as contituições das várias cidades da Magna Grécia.
Assim, as precauções contra a injustiça indiscriminada do livre mercado não eram necessariamente novidades da autoria do grande filósofo, mas antes conclusões a que os gregos chegaram após várias gerações de apuramento económico.

O Quarto dos Sete Retratos

Posted by HelloMiniatura da escola de Shiraz (séc.XIV) que ilustrava um poema do poeta persa Nizami (séc. XII)



Aqui: http://museu.gulbenkian.pt/coleccao.asp?lang=pt

sexta-feira, novembro 19, 2004

Safo de Lesbos

"
Um jardim

Há um murmúrio de águas frescas através
dos ramos das macieiras, as rosas ensombram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho. "

Safo - Séc.VII/VI a.c.

Não deve fazer mal

Não deve fazer mal utilizar o blog para este efeito. Um bocadinho de auto-promoção não ofenderá.

Amanhã, Sábado, 20 de Novembro, concerto do Quarteto de Cordas São Roque.

Auditório Lopes-Graça - Tomar. 21h30m

-Quarteto de Cordas em MibM, K.428..................................Mozart
-Quarteto de Cordas em Sol Maior "Cenas da Montanha"........Vianna da Motta
-"Sete Velhos Corais Portugueses" para Quarteto de Cordas.....Eurico Carrapatoso

Comentário ao Comentário

Penso que é colocada nesta citação uma dúvida muito actual. «...se deve pesar mais o intelecto ou o carácter», ou seja, se o ensino se deve orientar para a transmissão de conhecimentos, ou para o desenvolvimento de valores e capacidades. Esta última vertente tem sido preferida e por isso se verifica a redução de horários das disciplinas «clássicas», como história e geografia, e o aumento do horário escolar disciplinas como «Área-Projecto» e «Desenvolvimento Pessoal e Social».
Retirei esta excerto de um comentário colocado ao post da Política de Aristóteles. Com pena minha, julgo que se tenta, actualmente, optar pela segunda vertente sem assumir que não se dá primazia à primeira. O resultado é que temos um excesso de horas semanais para os alunos secundários. Como se não bastasse, assiste-se a um aumento desmesurado da carga horária das disciplinas de matemática e de português. Há alunos que têm seis horas semanais destas disciplinas!
Continuaremos, ao que parece, a bater na mesma tecla, sempre à espera de resultados que nunca irão aparecer. O nível está cada vez pior a matemática? Siga então mais uma horita por semana...
Há, no entanto outras opções. Nunca ninguém pensou que, provavelmente, o problema não está no número de horas, mas no número de alunos por turma? Poder-se-ia fazer a experiência e estou certo de que teríamos resultados imediatos. Em vez de seis por semana, seriam duas horas (um terço) mas, para compensar, a turma teria também apenas um terço dos alunos. Em vez de trinta, dez.
Vantagens: maior aproveitamento dos alunos (isso é certo), o estado não gastaria mais dinheiro (já que, apesar de se multiplicar o número de turmas, haveria menos horas para cada uma na proporção exacta) e, finalmente e mais importante, os alunos teriam tempo para usufruirem de uma educação de Carácter efectiva, como a que foi referida por Aristóteles e pelo nosso comentador (que infelizmente não assinou). Teriam tempo para conhecer outras disciplinas que, não lhes servindo para a vida prática, lhes abririam portas para outros mundos, outras formas de pensar.
Platão não tinha dúvidas. Primeiro o espírito.

Dúvidas antigas

"Está claro agora que tem de haver legislação sobre a educação dos jovens e que esta tem de ser conduzida num sistema público. Mas tem que se considerar qual a melhor forma de o processar. É necessário ponderar se se conduz a educação em direcção a uma vida desafogada ou em direcção à virtude, se deve pesar mais o intelecto ou o carácter. Os problema mais confusos, no entanto, prendem-se com a discussão em torno de até onde se deve ir; deve o estado direccionar os estudos apenas para objectivos práticos de construção moral ou prosseguir para patamares mais altos? Todos estes pontos de vista ganharam a aceitação de vários juízes."
"Política" - Aristóteles
Ou seja: é o estado obrigado a pagar a formação integral ao mais alto nível ou apenas a suportar uma educação de base?

quinta-feira, novembro 18, 2004

E mais sobre o pugilista

Para saber outras coisas sobre o matemático de Samos, que não da sua actividade desportiva, há um bom link, claro e muito informativo: http://www.mundodosfilosofos.com.br/pitagoras.htm

O Campeão de Boxe

Pitágoras, de quem a única coisa que temos como certa é que foi campeão de pugilato numas Olimpíadas, ia gostar do seguinte link: http://jornal.publico.pt/2004/11/11/sotexto/UltimaPagina/U01.html

A Religião

Quase todas as religiões se fundaram numa base mística, com objectivos contemplativos, filosóficos, gnósticos e revolucionários. Algumas tiveram a capacidade de se manter assim. Outras não... É o caso do Islão e do Catolicismo. Se havia espíritos abertos ao pensamento total por entre os sufis islâmicos ou os monges católicos, estas duas religiões renderam-se definitivamente à prosaica mistura com o que eles chamam "a sociedade actual". Soçobraram às tentações materialistas do mundo dos homens. Não conseguiram manter o vigor da disciplina perante as múltiplas hipóteses de poder ao dirigir tanto povo. S. Paulo havia-o logo anunciado, ao subverter a doutrina de Cristo à cidadania do Império Romano. No Islão este processo é, apesar de tudo, mais compreensível já que não foi constituído como doutrina pura, mas também como organizador político dos homens.

Tanto o Cristianismo como o Islão contêm a tolerância no seu âmago. O Cristianismo esqueceu-a sete séculos depois da fundação, o Islão esqueceu-a os mesmos sete séculos depois (o nosso século XIII). Coincidências? Não terá a haver com o período de gestação e crescimento de uma religião?

Fazem-nos falta homens como o grande sufi Ibn Arabí de Múrcia, pupilo místico de Al-Oriani de Al-Ulya (Loulé).

"O meu coração abriu-se a todas as formas: é uma pastagem para gazelas, um claustro para monges cristãos, um templo de ídolos, Caaba de peregrino, as tábuas de Tora e o Alcorão. Pratico a religião do Amor; qualquer que seja a direcção em que as caravanas avancem, a religião do Amor será sempre o meu credo e a minha fé." Ibn-Arabí, Sufi de Múrcia, Séc.XIII

Este devia ter seguido logo de manhazinha...

"meu irmão, a aurora vem
feita de luz e esplendor
ofertar à noite o véu.
sorve já a matutina
bebida que a alva traz
e, como se presa fosse,
toma a alegria do dia
pois da tarde nada sabes...
meu irmão, toca a erguer!
olha a festa da manhã
no jardim gelando o vinho.
não durmas, é hora de levantar.
e, como se presa fosse,
toma a alegria do dia
já que sob o pó da terra
longo será o teu sono."

Ibn-Abdun Al Yabury - poeta de Évora, séc. XI

quarta-feira, novembro 17, 2004

Geografia (2)

"A terra de que estamos a falar é próspera; percorrem-na rios grandes e pequenos. A maioria é navegável para o interior e muitos contêm poalha de ouro. Os rios mais conhecidos, a seguir ao Tejo, são o Mondego, navegável a pequena distância, tal como o Vouga. Depois destes, o Douro, que vem de longe, corre ao longo da Numância e de muitas outras povoações dos Celtiberos e dos Vaceios; é navegável para grandes barcos, até cerca de oitocentos estádios. Depois há ainda outros rios. A seguir a estes, o Eetes, a que chama Lima. Este corre da região dos Celtiberos e dos Vaceios. A seguir, vem o Báinis (a que chama Minho), que é em muito o maior dos rios da Lusitânia, e também navegável até oitocentos estádios"
"Geografia" - Estrabão Ia.c. - Id.c.

Geografia

"A Lusitânia, a região que fica a setentrião do Tejo, á maior das nações Ibéricas, e aquela com que os romanos guerrearam mais tempo. Esta terra é limitada a sul pelo Tejo, a oeste e norte pelo Oceano, a nascente pelos Carpetanos, Vetónios, Vaceios e Calaicos, raças bem conhecidas."
"Geografia" - Estrabão


Cidade de Ulisses (2)

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terça-feira, novembro 16, 2004

Cidade de Ulisses

É conhecida a lenda que diz que Lisboa foi fundada por Ulisses.
Por um lado é óbvio que nos escritos de Homero e Virgílio não vem qualquer referência de que Ulisses por aqui tenha passado, nem sequer ultrapassado as Colunas de Hércules (Gibraltar). Por outro, parece-me claro que só os Romanos poderiam ter generalizado essa lenda, já que foram eles a nomear a cidade de Ulisipo.
De facto, os Romanos não nomeavam locais, cidades ou propriedades ao acaso. Teria sempre algo a haver com a situação de conquista, o contexto da época ou o fundador da propriedade ou localidade. Um bom exemplo da primeira hipótese é Bracara Augusta, um bom exemplo da segunda é Pax Julia, bons exemplos da terceira são as propriedades fundadas pelas seguintes famílias: Fromarici (Fromariz), Romarici (Romariz), Vermudi (Vermoim), Vimaranes (Guimarães), etc. Quanto às denominações e toponímias romanas será interessante consultar "Estudos Económicos - As Vilas do Norte de Portugal", Alberto Sampaio.
O que os terá levado relacionar a cidade com o "dos mil estratagemas"?
Somando a estas dúvidas, vêm as causadas pela descoberta de vasos gregos do período ático em Alcácer do Sal. Esta descoberta não prova que os gregos cá chegaram por via marítima, não prova que um grego fundou a cidade, mas prova que havia um comércio activo com povos de cultura helénica, não se sabendo desde quando.
Sabe-se que as civilizações clássicas abriam com frequência "feitorias" em portos distantes. Haveria por cá uma? A existência de vasos daquele período (ca. 500 antes de cristo) prova que viveu em Lisboa pelo menos um grego nesse período (não me parece que as ilustres tribos que por cá viviam se interessassem por arte deste cariz). Existe um polémico relato de viagens, "O Pérliplo de Hanão" que afirma que os Cartagineses dobraram as Colunas de Hércules no séc. V a.c....
Não havendo certezas, aguarda-se que a qualquer momento apareçam registos arqueológicos de artefactos que possam aclarar esta lenda. E se amanhã surgisse, perto de Lisboa, uma escudo micénico?...
Posso estar a incorrer em alguma falta de rigor, posso estar a cometer incorrecções, os Helenistas acharão esta tese algo disparatada mas, ainda assim, julgo que este assunto poderia ser objecto de estudo mais aprofundado. Seja para alimentar a fantasia, seja para nos colocar mais perto da realidade.

Árabes, mocárabes, judeus, sefarditas e cristãos (2)

Uma consequência das políticas régias que referi no posto abaixo é um curioso achado que Lopes-Graça fez no Algarve. Num dos seus livros sobre cantares populares, o musicólogo apresenta-nos o "Romance do Cativo"; romance cantado, com música e texto de características estróficas, com redunâncias e mnemónicas típicas dos romances de tradução oral, que contava a história de um católico feito cativo pelo mouros, que se vê livre através da paixão de uma moura rica que lhe paga o resgate.
Recentemente, musicólogos israelitas identificaram este romance exacto, com a mesma história, as mesmas palavras, a mesma música, cantada em sefardí em aldeias de Israel. Ou seja, contado em Portugal, o romance foi levado com os Judeus para o norte de áfrica em 1496 e, em 1945, para Israel pelos seus descendentes. Poderia ser uma coincidência, mas os pormenores da história e os detalhes musicais não deixam margem para dúvidas. Ecos desse romance, extractos musicais ou historietas de crianças relacionadas são contadas nas aldeias sefardís do norte de áfrica (locais de grande isolamento cultural, onde os costumes moçárabes se mantêm).
A provar a fama que este romance tinha na península em meados do Séc. XVI, estão alguns dos deliciosos capítulos centrais do "D.Quixote de La Mancha" de Cervantes, onde a mesma história é contada com todo o pormenor e acrescentada da extraordinária fantasia do escritor.

Árabes, mocárabes, judeus, sefarditas e cristãos (1)

Um dia em Agdz, pequeno oásis a antes de entrar no deserto marroquino, Sadik, um berbere nómada do deserto no inverno e negociante de artefactos para turistas no verão, ofereceu-me um chá no bazar dele com o intuito de, provavelmente, me vender algo. Coisa que conseguiu, já que eu fiquei estupefacto com o manancial de objectos artísticos berberes e tuaregs que ele me apresentava. O que ele queria em troca eram essencialmente medicamentos para o estômago e intestinos, anti-inflamatórios e garrafas de bebidas fortes (bagaço, vinho também, etc). E porquê? Porque eram exactamente estas as coisas que as tribos do deserto valorizavam e que queriam em troca dos ditos raros artefactos que lá vi.
Entre estes estavam um sem número de pratos, portas, correntes, cintas, etc, pejadas com inscrições e símbolos judaicos. Perguntei de onde vinham; a resposta pareceu óbvia a Sadik: "les juifs du desert!". Lembrei-me depois que os judeus que produziram todos aqueles objectos são, muito provavelmente, descendentes dos foragidos da península em 1496.
Quando em 1496, por pressões dos Reis Católicos, D. Manuel fixou que todos os judeus ou árabes teriam de se converter forçosamente ou deixar o país, a maioria daqueles largaram para o norte de áfrica, único lugar onde a tolerância religiosa era absoluta.
Os resultados, no entanto, não foram os esperados pelos Reis Católicos. D. Manuel cedo se apercebeu que necessitava (e muito) de judeus e moçárabes. Na cristandade pura e simplesmente não havia quadros superiores. Eventualmente, poderia uma ou outra abadia promover algum tipo de conhecimento, mas o grosso do alfabetismo estava com os judeus e árabes. Alfabetismo, quadros superiores e não só... conhecimento astronómico, médico, geográfico, jurídico, agrícola e literário. Ora, um estado precisa de quadros superiores para viver. Professores universitários, escrivãos, reitores, juízes, médicos, bibliotecários, editores, astrónomos, etc.
O dito rei apercebeu-se de tudo isto a tempo e viu-se obrigado a forçar conversões em massa e a efectuar perdões de conduta constantes. O tiro saiu pela culatra. Se antes um católico não podia casar e reproduzir-se com um judeu ou árabe, a partir daí a miscenização foi total. Afinal, agora todos eram católicos. Se antes não se podia entrar numa judiaria ou numa mouraria, agora passavam a ser lugares como os outros. Já nada disto constituia sacrilégio.
Os Reis Católicos quiseram forçar D. Manuel a expulsar os semitas. Este, sem saber acabou por dar o grande impulso para a enorme arabização da população portuguesa.

Ontem e hoje. Evolução?

"Foi Celofonte que, no poder, introduziu a diaboleia" Athenaion Politeia - Aristóteles
A diaboleia era um subsídio (mensal?) de dois óbolos por pessoa atribuido para garantir a assitência a espectáculos de teatro e música. Ou seja, em vez de se subsidiar os artistas, apoia-se o público. Desta forma, simultaneamente, evitam-se ociosidades ou círculos restritos de influência entre os artistas, garante-se a constância de uma actividade artística efeverscente e cativa-se, cultiva-se o público, abrindo-lhe perspectivas artísticas, diferentes visões do mundo, outros planos de pensamento em cada espectáculo.
Ou seja, na Grécia, há mais de dois milénios, o estado pagar-me-ia 2 óbulos para ir ver uma tetralogia de Eurípides. Em Portugal, hoje em dia, nem que estivesse disposto a pagar 500 euros, poderia ver a mesma obra ou equivalente, não sendo sequer exigente ao ponto de pedir qualidade de interpretação. ..
E quanto são dois óbulos? Não sabendo a medida monetária exacta, poderemos ir lá por comparação. No mesmo documento, "Constituição dos Atenienses", Aristóteles (ou um dos seus discípulos, a autoria da obra não é garantida) refere que, na mesma época, um Arconte (político no topo da carreira) recebe 2 óbulos de subsídio de alimentação em dias de reunião do conselho. Ou seja, eu receberia o equivalente a um subsídio de refeição do Presidente da República. Já daria para ir a um concerto por mês.
Dois óbulos, curiosamente, é também a conta para outra função. Ainda da "Politeia": "De facto, para os que possuem rendimento familiar inferior a três minas e estão mutilados a ponto de não poderem fazer nenhum trabalho, há uma lei que determina que o conselho os examine e lhes seja atribuída, pelo erário público, uma pensão alimentar de dois óbulos por dia".
Noutra passagem refere-se que o arconte recebe afinal 4 óbulos, mas que é obrigado a manter o arauto e o flautista:
"Há os seguintes pagamentos de serviço público: em primeiro lugar, o povo recebe uma dracma para assistir às reuniões ordinárias da assembleia e nove óbulos para a sessão principal; para integrar o tribunal, três óbulos; para o conselho, cinco óbulos. Aos prítanes é atribuído mais um óbulo como subsídio de refeição. Além disso, os arcontes recebem 4 óbulos cada um, mas têm de manter o arauto e o flautista. [...]".
Regredimos em alguns pontos. Mantivemos outros. Nem piorámos muito de então até hoje. Nada mau...

Aristóteles

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segunda-feira, novembro 15, 2004

O Palácio dos Balcões propriamente dito...

Ksar Ash-Sharajibe poderá ser traduzido por Castelo das Varandas. Pelas descrições, no entanto, o local ganhou fama não pelas suas virtudes militares, mas por constituir morada quase idílica de Príncipes e Reis. Daí a mais comum denominação de Palácio dos Balcões.
Silves (Xîlb), cidade que acolhia o dito monumento, tinha sido colonizada por gentes vindas o Iémen, tornando-se a maior cidade da região. Ao contrário dos Berberes que colonizaram o alentejo, os Iemenitas eram cultos, estudiosos e amantes das artes. Segundo Ar-Razí (Físico, pensador, matemático e Geógrafo árabe 865-925) o povo de Silves tinha uma literacia invulgar e um grande amor à literatura. Segundo ele, qualquer operário ou agricultor recitava vastas passagens da poesia árabe e dos clássicos gregos de cor. Este embiente priviligiado resultou na única cidade do ocidente peninsular capaz de fazer frente a Sevilha, no que toca a produção artística.
O registo mais antigo que refere o Ash-Sharajibe é o poema do qual eu extraí um excerto e coloquei no primeiro post deste blog. Aí, Al-Mutamid dirige uma carta em poema a Ibn-Ammar Al-Andalusî, seu amigo e amante de longa data, recordando a magnífica cidade de Silves.
Al-Mutamid Ibn Abbâd havia nascido em Beja em 1040 e viveu toda a sua infância e juventude em Silves, partilhando com Ibn Ammar o Palácio dos Balcões, dedicando-se plenamente à poesia, à música e à retórica. Após ter substituído o seu pai, o implacável e cruel Al-Mudadid, no trono de Sevilha, Al-Mutamid dá a Ibn Ammar a hipótese de escolher qual o cargo político que mais lhe convinha. Este acaba por escolher ser Vali de Silves. Será desta data o excerto poético aqui referido.
Al-Mutaze, filho de Al-Mutamid, deixou-nos contudo uma descrição mais precisa do Palácio: "...Este Palácio de Ash-Sharajibe chegara então ao mais alto da sua magnificiência e esplendor. Era semelhante ao mais ínclito da cidade de Bagdad. Corriam nele os nobres cavalos dos seus átrios e brilhavam nos seus terraços os relâmpagos das coisas que mais se poderia desejar [...]
Além do mais, era esta cidade quase rodeada pelos dois rios como por um colar[...]"
Tradução de José Garcia Domingues
Hoje em dia Silves possui apenas um rio, mas é verdade que existia na época um braço de água que completava o cenário da cidade. Além do mais, o autor refere que a cidade era "quase" rodeada...
Ainda em 1168 esse palácio existia, sabe-mo-lo nós pelo historiador Ibn-Alabar, conhecedor do Al-Andaluz ocidental. Mais tarde, Abulfeda (Abud-Fida, historiador de Damasco) afirma no séc. XIV que é em Silves que existe o Palácio dos Balcões.
Apesar de ser de Al-Mutamid a referência mais antiga ao Ash-Sharajibe, não terá sido ele o seu construtor, pois registos da época ou lendas teriam aparecido, tal era a grandeza do príncipe. Segundo Garcia Domingues, o Palácio terá tido origem num castelo construído em Silves aquando de um levantamento de Ibne Iháia contra Córdoba no séc.X.
Supondo que o Palácio teve uma existência de quatro séculos, e tendo em conta o seu esplendor, haverá concerteza sinais da sua localização hoje em dia, apesar da ira intolerante da conquista católica. Ficaria o Sharajibe no local do castelo? Sabemos que não será longe do rio, já que ele é sempre referido nos prazeres de Al-Mutamid aquando da sua referência ao Ksar.
O castelo de Silves evidencia uma reconstrução portuguesa do séc.XIV, mostrando-nos construções de comunicação com zonas de cultivo e residenciais anexas ao edifício; há cerca de um mês, aliás, foi descoberto um túnel subterrâneo de saída do castelo atulhado de artefactos arqueológicos árabes. Tantos, que a equipa não tem capacidade de os processar a todos, vendo-se obrigada a fazer uma selecção.
Será o actual castelo uma parte do Ash-Sharajibe? A avaliar pelos relatos de opulência, quase posso apostar que não. Inclino-me, no entanto, para que esteja nos metros de entulho e construcções sobrepostas no subterrâneo do actual edifício. Vamos aguardar pelos resultados das fresquíssimas descobertas no local. Quem sabe não estaremos a desenterrar um dos mais notáveis bocados de história do nosso país...

Na Pérsia

"Uma vez que ignoras o dia de amanhã,
procura ser feliz, hoje.
Toma uma ânfora de vinho, senta-te ao luar e bebe
lembrando-te que, talvez amanhã, a lua te procurará em vão."

Omar Khayyam - "Rubayat", Séx. XII

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domingo, novembro 14, 2004

Contraste

A crise do Irão foi resolvida pela diplomacia europeia. A "crise" do Iraque foi resolvida pela diplomacia americana. Diferenças nos resultados?...A política é acusada de ser um meio de pressões, de trocas ilegítimas, de negociatas. Esquecemo-nos no entanto que esta foi criada pelo homem, apesar de todas as suas vicissitudes, com o intuito de revogar a violência gratuita e a lei do mais forte. A renúncia nuclear iraniana representou hoje o triunfo da política sobre o militarismo. Ainda que seja arriscado dizê-lo, a civilização europeia provou ser mais rentável que a barbárie americana.

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Do compromisso na política

Já há 2500 anos se percebia isto...
"Anacrásis riu-se, ao saber do projecto de Sólon, o qual acreditava que, com leis escritas poria cobro às injustiças e desigualdades entre os cidadãos; é que as leis, segundo aquele, em nada diferiam das teias de aranha: se, como estas, estavam aptas a prender os fracos e pequenos que conseguissem apanhar, seriam contudo despedaçadas pelos poderosos e pelos ricos. Conta-se que, a estas observações, Sólon retorquiu que os homens também observam os acordos que a nenhuma das partes contratantes interessa transgredir. Assim, ele procurava ajustar de tal forma as leis aos concidadãos, a ponto de para todos se tornar evidente ser preferível respeitar as normas a ir contra elas."

Plutarco - "A Vida de Sólon"

Homero

Anda o Dr. Sampaio a participar em interessantíssimas iniciativas que consistem em copiar a Bíblia à mão. Acções, aliás, de grande alcance mas que, no fim, têm a característica de não servir para absolutamente nada. Entretanto, os outros dois dos três livros mais importantes da humanidade (Odisseia e Ilíada) não tinham, ao início deste ano qualquer tradução em português do texto em Grego Antigo.
Tínhamos traduções do francês, do latim, etc. Mas nenhuma edição académica, poética, ou simplesmente fiável do texto assumido como "original". Hoje temos já uma boa Odisseia, e a mesma editora está a fazer o favor de trabalhar agora na Ilíada, que sairá em breve.
Dois textos que contêm os princípios éticos da sociedade ocidental como nós a conhecemos. Textos cuja técnica de construção dramática, poética e literária fazem com que tudo o resto nos cause uma sensação de déja-vu. Monumentos ao homem grego, romano, europeu, universal. Finalmente nas bancas. E apenas com 2700 anos de atraso.

O Palácio do Balcões

Saúda, por mim, Abu Bakr,
os queridos lugares de Silves
e diz-me se deles a saudade
é tão grande como a minha.
Saúda o Palácio dos Balcões,
da parte de quem nunca o esqueceu,
morada de leões e gazelas
covis de sombras onde
doce refúgio eu encontrava
entre ancas opulentas
e tão estreitas cinturas.
Mulheres brancas e morenas que em minha alma
faziam o efeito de espadas refulgentes
e das escuras lanças!
[...]
Al-Mutamid, Rei de Sevilha, Séc.XI

O Palácio dos Balcões (Ksar Ash-Sharajibe) é a âncora dos Orientes sonhados. É o paradigma máximo dos contos de mouras encantadas, de nascentes douradas por canções mouriscas. É a recordação desse povo que veio alegrar uma península acabrunhada, que nos apresentou à poesia, à música, à dança, que nos trouxe mulheres escuras e de cinturas finas, que nos iluminou com os sábios gregos e o sofismo oriental.

O mítico Palácio dos Balcões, em Silves, é o farol de um mundo imenso. De Marraquexe a Calecute, de Atenas a Nanquim.